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China e Rússia: “best friends”, enfim?

Historicamente, os chineses e os russos sempre foram os “melhores” inimigos. Desde os primórdios do comunismo na China, em 1949, os soviéticos olhavam para os maoistas com desdém e até preconceito.

É famosa a rixa entre Stalin com Mao, a quem considerava um “camponês” atrasado. Ela tornou-se evidente já desde o dia em que Mao realizou, em dezembro de 1949, logo após a vitória comunista em Pequim, a primeira visita visita fora da RPC. O destino foi justamente Moscou, com o intuito de reforçar os laços ideológicos entre as “irmãs de fé”. Porém, com o objetivo de reiterar sua hegemonia no universo marxista, os anfitriões receberam Mao com frieza, e até mesmo desdém. Ele foi mantido isolado num quarto de hotel dias a fio antes de ser finalmente recebido por Stalin. Esta atitude o enraiveceu profundamente: segundo relatos históricos, irado, Mao gritava às paredes de seu quarto – acreditando que os soviéticos haviam nele instalado escutas ocultas – “… eu vim aqui para fazer algo mais do que c….”

A política de Khrushchev de desmitificação de Stalin e de desconstrução do stalinismo, na década de 50, provocou uma série de críticas do Partido Comunista Chinês. A partir de 1961 houve um distanciamento progressivo entre as duas maiores lideranças do universo comunista. As confrontações ideológicas, que perdurariam durante a década de 1956/66, culminariam com a rejeição pública de parte dos maioistas à política de coexistência pacífica com o bloco ocidental deslanchada por Khrushchev, em meados da década de 50. Mao acusava esta política de “revisionista”. O antagonismo perduraria durante todo o período da Guerra Fria; ou seja, em nenhum momento houve uma aliança real entre soviéticos e chineses até a desintegração da URSS em 1991.

Diante destes precedentes, a empenhada e ostensiva reaproximação entre Xi Jinping e Vladimir Putin, como sugere a visita que Xi realizou a Moscou no início deste mês, nos leva a refletir sobre as mudanças cada vez mais complexas que estão acontecendo no cenário internacional.

Por exemplo, na chegada a Moscou, Xi afirmou, em conferência de imprensa, que ele mantinha ” a deep personal friendship with his Russian counterpart”. Enfatizou que nos últimos seis anos, os dois mandatários se encontraram cerca de trinta vezes, e acrescentou que “President Putin is my best friend and colleague,”. .Em resposta, Putin afirmou que “he was “pleased to say that Russian-Chinese relations have reached an unprecedented level. It is a global partnership and strategic cooperation”. Na ocasião foi assinado um importante pacote de mais de 25 acordos comerciais, que cobrem uma gama vasta de setores, de agricultura à alta tecnologia. Esperam os signatários que estes documentos incentivarão ainda mais o intercâmbio comercial, que já ultrapassa a casa dos US$ 100 bilhões .

Na matéria intitulada “Should the Russians Hug the Chinese?, publicada no último dia 10 no site “Project Syndicate”, a professora Nina Khrushcheva aponta: “At a time when US President Donald Trump is waging a trade war against China, Chinese President Xi Jinping has found a new “best friend” in his Russian counterpart, Vladimir Putin. But is this new friendship really in Russia’s best interest?”

Vamos por partes…

As relações de Moscou com o Ocidente vêm-se deteriorando sensivelmente, sobretudo a partir da anexação da Crimeia, em 2014. Pequim, de sua parte, vive uma “guerra comercial” com os Estados Unidos de D.T. , que, a meu ver, é “comercial” subsidiariamente. Na verdade ela reflete a disputa pela hegemonia da economia 5.0, que a RPC levantou como bandeira através do projeto “Made in China 2025”, que ambiciona catapultar a RPC à liderança da economia pós-globalizada.

Ou seja,”globalização”, à la chinesa, ou globalismo, à la americana? Abertura ou isolamento? Pangeia ou Muralha? Acho que este é o X da questão, em última instância…

Rússia e China, até por suas geografias, não podem se dar ao luxo do isolamento esplêndido que o entorno geográfico dos Estados Unidos proporciona. A irradiação dos fatores políticos e econômicos por toda a Eurásia torna o relacionamento entre os países da região muito mais próximo e imbricado. Até por isto, a convivência entre todos é mais sensível (afora a questão cada vez mais pungente das migrações em toda a região). Por sua vez, os alinhamentos “explícitos”, ou não, da RPC e Rússia em temas como a Guerra da Síria, a Venezuela e a questão coreana refletem uma crescente confluência de visão sobre o mundo contemporâneo.

Por fim, a China de Xi Jinping, com seu projeto da “Nova Rota da Seda/”One Belt, One Road” pode proporcionar à vizinha Rússia a alavancagem de que necessita para vencer a atual crise da sua economia, inserindo-a num contexto geográfico-geoeconômico muito mais amplo.

Reverteu-se a História: neste momento, é Pequim quem “dá as cartas”. A Moscou interessaria embarcar na “caravana”, penso.

Onde ficam a ideologia, os Estados Unidos e o Ocidente? Complexo…”Brave New World”…

Sugiro aos amigos que leiam a matéria do “The Project Syndicate”:PROJECT-SYNDICATE.ORGShould the Russians Hug the Chinese? | by Nina L. Khrushcheva

Fausto Godoy
Doutor em Direito Internacional Público em Paris. Ingressou na carreira diplomática em 1976, serviu nas embaixadas de Bruxelas, Buenos Aires, Nova Déli, Washington, Pequim, Tóquio, Islamabade (onde foi Embaixador do Brasil, em 2004). Também cumpriu missões transitórias no Vietnã e Taiwan. Viveu 15 anos na Ásia, para onde orientou sua carreira por considerar que o continente seria o mais importante do século 21 – previsão que, agora, vê cada vez mais perto da realidade.