Um dos temas mais controvertidos na atualidade é a guerra comercial entre os Estados Unidos de Donald Trump e a China de Xi Jinping. E como se sabe, a questão da propriedade intelectual está na raiz da disputa. Mas, no fundo, o que está em jogo, para os americanos – e para o mundo -, é a disputa pela hegemonia na economia – e consequentemente (?) na política – mundial a partir da chamada “revolução 4.0”, a quarta etapa da “Indústria inteligente” que marca o novo estádio da Revolução Industrial ora em andamento.
A questão da propriedade intelectual é um dos principais, senão o principal “front” desta guerra. Ela está na base de todas as medidas comerciais adotadas pelos americanos contra a China.
Neste contexto, acho que seria importante tentar entender o significado da “cópia” – a grande vilã da história – para os chineses. Tradicionalmente, a cópia nunca foi um “pecado” na cultura confucionista milenar da China. Ao contrário, o bom artista/artesão era aquele que copiava fielmente o autor da obra que ele replicava, a ponto de, no caso das porcelanas que tanto alimentaram o fascínio dos europeus pelas “chinoiseries”, no século XIX, o autor apor na sua peça até a cópia do selo dinástico que identificava o período – e a dinastia – em que a original fora feita. É comum, por exemplo, encontrar em porcelanas produzidas durante a dinastia Qing (1644/ 1911/2) o “selo” dinástico inscrito na base seja da obra original, na dinastia Ming (1368/1644). Por respeito e devoção ao que sabe mais, ao mestre… e não uma transgressão. A ética confucionista jamais classificaria a cópia como “delito”.
Descartemos, portanto, sem pré-conceitos, um imaginável sentimento de “culpa” de parte dos chineses, e atualizemos a questão…o mundo mudou, chegamos ao século XX/XXI e à China contemporânea, globalizada e globalizante, que passou a se integrar cada vez mais nas correntes internacionais de comércio, sobretudo a partir de 2001, quando foi admitida na OMC após uma longa e difícil negociação que implicou mudanças significativas em sua economia.
Empenhada em vencer o descompasso que os percalços do século XIX (das “humilhações”) e as atribulações do maoísmo “hard” lhe causaram, a nova geração de líderes chineses, com Xi Jinping à frente, está vivamente empenhada em elevar a China à liderança da economia pós-industrial do planeta: em resumo, torná-la o país líder mundial. Outros não foram os desígnios da iniciativa “Made in China 2025“, que o governo lançou em 2015, pela qual selecionou dez segmentos de tecnologia de ponta em que concentrará prioritariamente a sua próxima etapa de desenvolvimento.
Pequim disse abertamente que quer deixar para trás sua reputação de fornecedora de sapatos, roupas e brinquedos baratos, e passar de país de mão-de-obra de baixo custo a um “país de engenheiros”. Para isto a China já está na fronteira da pesquisa tecnológica. Por exemplo, ela respondeu por 44% dos pedidos de registro de patentes em todo o mundo (o dobro dos Estados Unidos), em 2017, segundo a OMPI. Ora, o plano com o qual quer “conquistar o mundo” é o mesmo que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, avaliou como “roubo de tecnologia” que ameaça a segurança nacional de seu país, e a livre concorrência.
Entretanto, “o feitiço pode se virar (ou já está) contra o feiticeiro”: à medida que as empresas chinesas emitem mais patentes, mais interessadas elas se tornam em protegê-las. Alguns executivos já estão até mesmo apoiando a pressão americana, esperando fortalecer o Estado de Direito. É verdade que o governo chinês até incentiva o flerte com as ideias alheias e que empresas estrangeiras na China sem dúvida enfrentam pressão para entregar seus segredos; não obstante, a proteção à propriedade intelectual na China, apesar de todas as suas falhas, já melhorou muitíssimo nos últimos tempos. E as empresas locais estão cada vez mais empenhadas em participar deste empenho.
Ou seja, estaríamos antevendo, em meio a este imbróglio comercial com os americanos, os dias em que os dois se tornarão aliados na guerra pelo “copyright”?
Ironia dos tempos…