Analisar a crise venezuelana nos dias de hoje é algo difícil pois acabamos em discussões político-ideológicas. Mais do que entender o que se passa no país, fatalmente as discussões giram em torno do apoio ou da crítica ao presidente (?) Nicolás Maduro. Mas a questão é mais profunda e uma resposta definitiva não vem fácil.
É certo que a mídia brasileira, bem como o próprio governo do Brasil, claramente defendem a saída imediata de Maduro para que assuma, em seu lugar, o opositor Juan Guaidó. Aparentemente a questão seria simples: Maduro sai, Guaidó assume o poder, restabelece a ordem na Venezuela e tudo volta ao normal.
No entanto, quando olhamos outros exemplos próximos, vemos que é muito mais complicado do que isto. Pensemos no Iraque quando o presidente Bush resolveu invadir. O plano também era ótimo, sairia Saddam Hussein, um governo democrático seria instalado no país e tudo ficaria calmo. Poderíamos recuperar outros exemplos como a Síria ou o Líbano e teríamos o mesmo resultado: mais do que estabelecer a ordem doméstica, criou-se um caos que até hoje perdura. Não nos esqueçamos que os Estados Unidos continuam até o momento com soldados no Iraque. Para os que não se lembram, a invasão ao Iraque ocorreu em 2003, ou seja, 15 anos atrás!
O problema com a Venezuela não é apoiar Maduro ou Guaidó, é não ter um plano para depois. O número de países que estão reconhecendo Guaidó como o presidente da Venezuela está crescendo, e isso dá a impressão de que estamos cada vez mais próximos da solução. Ao contrário, estamos nos aproximando do começo de uma jornada muito maior e mais perigosa.
O Estado venezuelano está se enfraquecendo e a sociedade se radicalizando. A crise econômica é grande no país e isso não se pode negar, mas também não se pode ser ingênuo de acreditar que a simples troca de um presidente levará à estabilização da economia, à pacificação da sociedade e à reestruturação do Estado.
Até o momento o que se vê da comunidade internacional é muita bravata e a tentativa de se resolver a troca de presidentes por ameaças ou reconhecimentos unilaterais. O problema é que falta a discussão sobre o dia seguinte. Qual é o plano da sociedade internacional? dos países que já declararam o reconhecimento de Guaidó?
Se a sociedade venezuelana efetivamente se esgarçar t tivermos uma guerra civil, o que faremos? iniciaremos bombardeios em Caracas? mandaremos os Capacetes Azuis da ONU para impor a paz? qual grupo será atacado e qual defendido?
O mundo das relações internacionais já sabia a muito tempo que a intervenção em questões domésticas é um perigoso empreendimento, mas parece que nos esquecemos disso. E agora estamos entrando numa fase mais justiceira, na qual escolhemos um lado, o consideramos o certo, e colocamos o outro lado como totalmente errado. Parece que esquecemos as lições do passado (e a política externa do Brasil também).
Destaca-se que não estou aqui defendendo o governo de Maduro, mas sim ponderando nas questões mais profundas que podemos ver neste caso. Se a sociedade internacional está realmente preocupada com a paz na Venezuela, deveria estar pressionado por uma agenda mais construtiva, que considera:
- A saída desta crise passa necessária e unicamente por via de convocações de novas eleições.
- As negociações entre as partes (governo Maduro e governo Guaidó) devem ser mediadas por outros países, capazes de tanto ofertar garantias quanto condições para ambos os lados.
- Independente de qual dos lados ficar, a sociedade internacional deve forçar condições de proteção ao lado perdedor, não forçando que os dois lados levem ao extremo suas posições.
Ou nós olhamos para o caso da Venezuela com a frieza e isenção necessárias, ou devem estar prontos a nos responsabilizar pelo potencial derramamento de sangue civil que por lá deve ocorrer.
PÓS ESCRITO
Este artigo foi escrito no dia 12/02/2019 e destacava a possibilidade de escalada na violência. Hoje, dia 22/2/2019 ao menos duas pessoas morreram na fronteira do Brasil com a Venezuela em função de confrontos entre as forças de segurança do presidente Nicolás Maduro e comunidades indígenas que demandavam a entrada de ajudas enviadas pelo Brasil. Como já dito, não se trata apenas de uma crise interna que seria resolvida pela simples troca de presidentes, mas de uma questão estrutural mais complexa.