Polemizando: será esta uma nova equação nas relações internacionais do Brasil?
É o que parece sugerir a visita do Governador João Doria à China, no início deste mês, com o objetivo de buscar parcerias para diversos setores da administração pública e empresas do Estado de São Paulo. Ele se fez acompanhar de uma delegação expressiva, que incluiu cinco Secretários de Estado, quatro presidentes de autarquias e trinta empresários de vários ramos.
Entre os projetos aventados contam-se a despoluição do Rio Pinheiros, a área dos transportes de cargas e de passageiros, e saneamento básico. Nos encontros que manteve com as autoridades e o empresariado chineses, Doria afirmou ter detectado vivo interesse da parte dos anfitriões em estreitar os vínculos comerciais
.
Em matéria intitulada “São Paulo e China, uma história promissora”, publicada no Estadão do dia 10/08, o Governador foi enfático no seu entusiasmo com a visita. Ele afirmou que “ …vivemos num mundo compartilhado e em parceria com o povo chinês queremos ser empreendedores da nova era. Estreitar nossos laços, aumentar a confiança mútua e ampliar nosso mercado bilateral são prioridades de São Paulo com relação à China. São consequências inescapáveis de quem enxerga o presente com atitude transformadora. E o futuro como oportunidade”.
Empresas chinesas, como a “China Railway Construction Corporate”, que mostrou “claro e vivo interesse” em aportar recursos para o projeto do Rio Pinheiros, em troca da exploração do transporte de cargas e passageiros ao longo do rio e do entretenimento em suas margens, e a “Beigin Water Enterprise Group”, estatal responsável pelo saneamento na capital chinesa, que firmou parceria de intercâmbio de técnicos, são “janelas de oportunidades” que estarão se abrindo para São Paulo, “hopefully”.
Lembremo-nos, a propósito, de que a presença das empresas chinesas no Brasil, sobretudo no setor de infraestrutura é cada vez mais crescente, a exemplo da estatal “State Grid of China”,que é sócia majoritária da “Companhia Paulista de Força e Luz”/CPFL. O intercâmbio paulista com os chineses já é muito expressivo: São Paulo compra 38% dos manufaturados chineses que chegam ao Brasil e a China é o segundo destino das exportações do Estado: 12,46% do total, com uma pauta ampla e diversificada (derivados do petróleo, aviões, soja, açúcar, carnes, etc.).
Para dar ainda maior concretude ao relacionamento, foi aberto o escritório do Governo de São Paulo em Xangai, o primeiro deste formato fora do país. Forte vontade política, pelo que se deduz, e…muitos desafios, também.
O primeiro será coordenar este ímpeto com a agenda do governo federal, totalmente focado no “relacionamento privilegiado” com o governo dos Estados Unidos, numa relação que parece cada vez mais comprometida, e desequilibrada em nosso desfavor, a meu ver…E a agenda dos norte-americanos, por sua vez, confronta a dos chineses numa “guerra comercial” que tem mais sabor de disputa por hegemonia do planeta pós-industrial que propriamente comercial estrito senso: ou seja, “briga de cachorro grande”, que vai definir os destinos da Pangeia pós-moderna e,talvez, trazer consigo (consolidar???) o “Século do Pacífico”?
E a pergunta que não quer se calar: onde deveremos nos encaixar: no quadrado americano (Brasília), ou no quadrado chinês (São Paulo)? Ou, mais astutamente, num espaço próprio, buscando auferir as vantagens que esta briga pode nos oferecer, a todos nós, brasileiros (como, por exemplo, as exportações de grãos para os chineses, vedadas, por ora, aos agricultores norte-americanos)?
Para tanto, é necessário menos ideologia e mais do “pragmatismo responsável” que caracterizou a gestão do Chanceler visionário que o Brasil teve no século passado, Antonio Azeredo da Silveira, (quando entrei no Itamaraty, em 1976). “Mutatis mutandis” – ou “trocando em miúdos”- o lema do Chanceler Silveira era muito parecido com o de ninguém mais, nem menos, que Deng Xiaoping, o construtor da China contemporânea: “não importa se o gato é branco, ou negro, desde que ele cace ratos…” Assim, não um ou outro, mas um e outro, abrindo todas as janelas de oportunidades possíveis para nós…
A equação seria, então: São Paulo + Brasília + RPC / EUA = Brasil.
Nas relações internacionais, nada é preto e nada é branco…tudo é cinza. Sugiro aos amigos que leiam o artigo abaixo
OPINIAO.ESTADAO.COM.BR São Paulo e China, uma história promissora – Opinião – Estadão
João Dória* – 10 de agosto de 2019
Dezesseis mil quilômetros de distância e fuso horário de 11 horas. Essa barreira geográfica que separa São Paulo de Pequim tornou-se menor nesta semana, com a aproximação feita pela mais importante missão que o governo de São Paulo já enviou à China. Temos inegáveis interesses mútuos a nos unir cada vez mais, encurtando distâncias e superando eventuais obstáculos. São Paulo reúne condições para se tornar um ponto de vanguarda da Nova Rota da Seda, o movimento de abertura e integração promovido pelo governo do presidente Xi Jinping.
Foi com esse espírito que embarquei dia 2, à frente de uma comitiva de 35 empresários e autoridades do governo paulista, para encontros com autoridades, investidores e empresas em três metrópoles chinesas, Pequim, Xian e Xangai. Temos objetivos claros: ampliar nossa promissora história de amizade, cultura, cooperação e, sobretudo, potencializar negócios.
Como parte desse diálogo e cooperação, abrimos ontem, 9/8, via InvestSP, o escritório comercial do governo de São Paulo em Xangai. É o primeiro escritório do nosso Estado fora do Brasil. Ele estará voltado para a promoção do comércio e de investimentos e o intercâmbio de tecnologia, infraestrutura, agronegócio, saúde, energia, educação e turismo. Será uma ponte duradoura entre São Paulo e a China.
O Estado de São Paulo compra 38% de todos os produtos manufaturados da China que chegam ao Brasil. A China é o segundo destino das exportações de São Paulo, representando 12,46% do total – uma pauta ampla e diversificada, liderada por derivados de petróleo, açúcar, aviões, soja, automóveis, carnes, tratores e suco de laranja. Temos enorme potencial para criar sinergias, estender o comércio bilateral e fortalecer o conhecimento e o turismo entre nossos povos.
Há 11 acordos de cooperação firmados entre São Paulo e a China. Somente neste ano nosso governo já promoveu oito reuniões com autoridades chinesas. Em São Paulo residem cerca de 200 mil chineses, 90% da comunidade chinesa no Brasil. Abrigamos a maior parte das 200 empresas chinesas instaladas no País.
O investimento chinês é o que mais cresce no Brasil. A China tem estoque total de US$ 70 bilhões investidos no Brasil – em São Paulo, por exemplo, a State Grid comprou recentemente o controle da CPFL, que produz e fornece energia elétrica a quase 10 milhões de clientes. Criamos um amplo programa de desestatização, concessões e privatizações, com 21 projetos em diversas áreas: mobilidade urbana, aeroportos, trens, rodovias, hidrovias e portos, por exemplo. Apresentei todos eles a bancos, seguradoras, empresas e investidores chineses.
Queremos parcerias para desenvolver uma linha de trem de passageiros com a principal região econômica do interior do Estado, investimento estimado em cerca de US$ 2 bilhões. Em Pequim tivemos uma produtiva reunião com a CRCC, líder mundial no setor ferroviário. Em Xian nos reunimos com a CR20, a maior construtora da Ásia em receita.
Ambas as empresas querem investir no transporte sobre trilhos de São Paulo. A CRCC deseja participar da Linha 6-Laranja, do Metrô. A CR20 anunciou que pretende disputar o Trem Intercidades. Além do investimento, queremos ganhar com o conhecimento chinês em elaboração e financiamento de projetos, seguro de obras, tecnologia e com as novas máquinas desenvolvidas para a construção pesada.
Desejamos estimular mais operações chinesas nos portos de Santos e São Sebastião. A concessão de áreas apropriadas para embarque de produtos específicos, especialmente alimentos, pode simplificar procedimentos burocráticos e sanitários, garantindo mais controle e melhorando o fluxo de mercadorias. É um caso típico de ganha-ganha entre São Paulo e China. E fez parte do nosso encontro com a Cofco, a maior processadora e comerciante de alimentos da China, que anunciou que ampliará a importação de alimentos do Brasil.
Temos o agronegócio mais moderno do País e, no próximo ano, vamos promover a 1.ª Feira Internacional do Agronegócio em São Paulo, incentivando negócios e tecnologia de ponta. A área de processamento de produtos agrícolas, por exemplo, é prioritária para o avanço da cooperação São Paulo-China.
No setor privado a missão também rende resultados objetivos. A Kidy, empresa de calçados de Birigui, por exemplo, firmou contrato de R$ 25 milhões para exportação de seus produtos. Diversos outros negócios avançaram, comprovando o acerto da política de ampliação da integração global do Estado.
Tenho defendido a ideia de que o momento de disputa comercial entre EUA e China abre oportunidades para o Brasil. Mas temos de buscar e concretizar esses negócios. A China tem o Brasil como parceiro estratégico e garante recursos para investimentos no País pelas mais variadas fontes, como o Banco de Desenvolvimento da China, a Sinosure, que já está em São Paulo, e o Claifund, além das linhas do Novo Banco de Desenvolvimento, o banco do Brics. Em reuniões com todos esses investidores e financiadores fortalecemos o entendimento de que São Paulo tem o que desejam: bons projetos, com segurança jurídica.
Confio nas palavras do presidente Xi Jinping, que disse que “a porta da China se abrirá cada vez mais” e lembrou iniciativas como a Exposição Internacional de Importação da China – que teve a participação de São Paulo e já caminha para sua segunda edição.
Trabalho, planejamento e educação fizeram da China essa grande potência econômica e tecnológica. Vivemos num mundo compartilhado e em parceria com o povo chinês queremos ser empreendedores da nova era. Estreitar nossos laços, aumentar a confiança mútua e ampliar nosso mercado bilateral são prioridades de São Paulo em relação à China. São consequências inescapáveis de quem enxerga o presente com atitude transformadora. E o futuro como oportunidade.
*GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO