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Xi Jinping +/x Donald Trump e a Arte da Guerra

“Disse o Mestre Sun:
Na Guerra existem Cinco Passos:
Medição,
Estimativa,
Cálculo,
Comparação,
Vitória.
Medição;
Medição determina
Estimativa;
Estimativa determina
Cálculo ;
Cálculo determina
Comparação;
Comparação determina
Vitória.”

(Capítulo 4 – Formas e Disposições” / “A ARTE DA GUERRA” de Sun Tzu Bin Fa)

Estes ensinamentos fazem parte do livro “A Arte da Guerra”, uma das mais importantes obras – senão a mais –sobre táticas de guerra jamais escritas. Seu autor, Sun Tzu, viveu no século V a.C., no período dos Reinos Combatentes, que precedeu a unificação da China pelo mítico Imperador Qin Shi Huan Di, em 221 a.C. Sun Tzu foi um general e estrategista a serviço do rei do estado de Wu, um dos que então disputavam a hegemonia da China, no final do século V a.C.

Na verdade, o seus conceitos não se aplicam somente à frente de batalha: a “Arte da Guerra” é “livro de cabeceira” para muitos empresários contemporâneos, que o consultam para orientar os seus negócios… Exemplares dele podem ser encontrados em qualquer quiosque de revistas em São Paulo.

Eu convido os amigos para fazermos uma análise comparativa entre o texto acima e o que está ocorrendo atualmente no planeta. Transportando os ensinamentos do livro para a atualidade, muitos dos seus conceitos, a meu ver, podem ser aplicados à “guerra” que chineses e americanos vêm travando pela hegemonia da Pangeia globalizada desde que Donald Trump (D.T.) assumiu o poder nos Estados Unidos, em 2016. Estas frentes vão das “escaramuças” que eles têm praticado na luta (oops…“guerra comercial”…) pelo poder em que estão engalfinhados, até as recentes acusações radicalizantes dos americanos – e seus aliados – de os “vilões” chineses serem responsáveis pela mais trágica pandemia deste último século.

Mas, voltemos aos ensinamentos de Sun Tzu.

Como vimos acima, o primeiro dos cinco passos da “Arte da Guerra” é a “MEDIÇÃO”, que leva à “ESTIMATIVA”, ou seja, à aferição, do poder real do oponente. A este propósito, notemos que desde que assumiu a presidência, D.T. tem desfraldado como a “bandeira” do seu governo o abandono do universalismo que tem caracterizado o “século americano” desde a II Guerra Mundial: “bring America home” e “put America first” têm sido dois “leitmotivs” da sua política externa. Neste empenho, os americanos estão revisando a sua participação – e financiamento – nos organismos internacionais, justamente eles que foram os primeiros a incentivar a criação destas entidades no final da II Guerra: OMC, OTAN, UNESCO, OMS, etc. E têm sido aguerridos oponentes às decisões tomadas em prol da salvaguarda do ecossistema mundial. Estaria o universalismo ”Made in America” ameaçado? Esta seria a tal ESTIMATIVA, o primeiro diagnóstico, e passo, de Sun Tzu?…

O próximo deles é o “CÁLCULO”, que define a correta orientação da direção a ser tomada: ou seja, a avaliação do efetivo poder das armas que o oponente tem em mão. Neste nosso caso, a primeira, e mais importante delas, é o comércio internacional, sobretudo o de produtos de alta tecnologia. Entendem os chineses que o fator definitório da hegemonia deste século é a tecnologia, sobretudo a 5G, que eles dominam sobre todos os outros concorrentes (até o momento); a exemplo, aliás, do que foi a indústria 4.0 para os americanos ao longo do século XX. É este justamente o escopo do projeto – “Made in China 2025” – que eles formularam em 2013, focando dez setores de ponta sobre os quais concentrarão sua política de P&D para aumentar o conteúdo doméstico de materiais e produtos que consideram essenciais a fim de reduzir a dependência da China de tecnologia estrangeira e promover os fabricantes chineses no mercado global.

O plano identifica dez setores-chave: tecnologia da informação avançada; máquinas-ferramentas de controle digital e robótica; aviões; equipamentos oceânicos e navegação; equipamentos de transporte ferroviário; automóveis que utilizam novas energias; equipamentos de energia elétrica; equipamentos agrícolas; novos materiais; biofármacos e equipamentos médicos. Acreditam os chineses que este plano, além de reduzir a sua dependência do Ocidente, também alavancará a crescente demanda mundial pelos produtos “Made in China”. Não é à toa que de “piratas” de tecnologia, eles se transformaram nos mais atuantes “fregueses” da Organização Mundial da Propriedade Intelectual”/OMPI: segundo o organismo, a China tornou-se a principal depositária de pedidos internacionais de patentes em 2019, arrebatando o título pela primeira vez dos Estados Unidos. Evidentemente, patente é qualquer invenção, algumas relevantes, outras nem tanto. Mas o importante a salientar é a mudança: de “pirata”, a cada vez mais tecnológica RPC agora se mobiliza para proteger as suas próprias invenções…

A este cenário se acrescenta a mobilização do Presidente Xi Jinping – cada vez mais assertivo… e controverso – no sentido de tornar a República Popular no eixo da geoeconomia, com o projeto “One Belt One Road”, que ambiciona restabelecer a que foi a principal rota de comércio – e civilizacional – da história da humanidade, porém desta feita ampliada em seus objetivos para reunir a Ásia à Europa e à África num ambicioso projeto multidisciplinar financiado, na sua maioria, pelos chineses.

É nesta esfera que entra a questão da COVID-19. A atuação dos chineses tem merecido crescente reconhecimento, assim como também crescentes – e radicais – críticas pelo mundo afora. Apesar da maneira “obscura” que se comportaram no início a epidemia, que teve origem em Wuhan, como se sabe, eles tornaram-se empenhados participantes na luta contra a doença. Não somente são as empresas da RPC as maiores fabricantes e exportadoras dos equipamentos de combate à doença, senão também especialistas chineses estão prestando assistência pelo mundo afora. Estratégia “redentora”?…Tanto é assim que no último dia da Assembleia-Geral da OMS, nesta última terça-feira, os europeus se queixaram de que o isolamento americano na organização “criou um vácuo de liderança no combate à pandemia, que vem sendo ocupado pela China”. Na contra-mão, D.T. ameaçou cortar o financiamento dos EUA à OMS, que acusa de privilegiar os chineses…

Segundo Sun Tzu, ao “CÁLCULO” sucede a “COMPARAÇÃO”. É exatamente neste ponto que se encontra o relacionamento sino-americano: o da “COMPARAÇÃO” entre as duas economias/civilizações. Ou seja, às conclusões a que alguns atores internacionais estão chegando a respeito desta briga de “cachorro grande”. Frente à crescente desenvoltura da República Popular no cenário mundial, governos, empresariado, academia e o público em geral estão-se indagando se a crise da COVID-19 representar(á)ia o momento de inflexão – de “passagem do bastão” – da hegemonia mundial dos EUA para a RPC.

Pergunta ambiciosa, e de certa forma simplista, se recorrermos à História, sobretudo nestes dois últimos séculos, incluindo nela o período trágico do colonialismo ocidental e seus subprodutos. Sempre digo aos meus alunos que nas relações internacionais “nada é preto… nada é branco: tudo é cinza, nas suas diferentes nuances”. Na avaliação dos roteiros pelos quais caminha a Humanidade é difícil colocar superficialmente em questão cenários e valores consolidados, pré-conceitos, preconceitos, “pós-verdades”, simpatias, antipatias (seja por que motivo for…) e de que lado sejam. E a menos que haja um fator disruptivo muito evidente – e seria a COVID-19 um deles? – as hegemonias se sucedem ao largo de um processo em que o tempo é elástico: foi assim no caso do Egito, Grécia, Roma, Espanha, Portugal, União Soviética, do Raj Britânico, Estados Unidos (?)…e etc…

Estaríamos diante do início de mais um ciclo? Ou seja, acompanhando o ensinamento de Sun Tzu, o quinto passo da “Guerra” – a ‘VITÓRIA” – seria dado pela China?

Sugiro aos amigos que leiam a matéria abaixo do Estadão


Ameaça de Trump à OMS abre caminho para China liderar luta contra covid-19

Redação, O Estado de S.Paulo | 20 de maio de 2020 | 05h00

As ameaças feitas por Donald Trump nos últimos dias, de cortar financiamento e abandonar a Organização Mundial da Saúde (OMS), fortaleceram a posição da China e abriram caminho para que Xi Jinping lidere a luta global contra a covid-19. Na terça-feira, 19, no último dia da assembleia-geral da OMS, os europeus se queixaram que o isolamento americano criou um vácuo de liderança que vem sendo ocupado pelos chineses.

 “É impressionante ver Xi Jinping aproveitar a oportunidade e se abrir, com grande cooperação, propondo US$ 2 bilhões e dizendo que, se houver uma vacina, eles a compartilharão com todos”, disse um diplomata europeu à Agência Reuters. “Este é exatamente o que temíamos: o espaço deixado por Washington sendo ocupado por Pequim.” 

Na noite de segunda-feira, Trump enviou uma carta endereçada ao diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, dando um prazo de 30 dias para que a entidade se comprometa com “melhoras significativas”, sob risco de cortar permanentemente o financiamento americano e, em último caso, retirar os EUA da instituição.

O presidente dos Estados Unidos acusou a OMS de favorecer a China e de ter ignorado “relatórios confiáveis” de que o vírus se espalhou na cidade de Wuhan, no início de dezembro ou mesmo antes. “Não posso permitir que os dólares dos contribuintes americanos financiem uma organização que claramente não atende aos interesses dos EUA”, escreveu Trump.

Na terça-feira, o diretor da OMS disse que a entidade continuará liderando a resposta global ao vírus. “Queremos transparência mais do que ninguém”, afirmou Tedros. Todos os 194 membros da entidade, incluindo a China, concordaram em abrir uma investigação independente sobre a resposta à pandemia, incluindo o papel da própria OMS – uma das exigências do presidente americano.

A OMS também aprovou ontem uma resolução que apoia a possibilidade da quebra de patentes de futuras vacinas ou tratamentos para covid-19, atendendo a uma demanda dos países mais pobres para que seja garantido o acesso global igualitário aos tratamentos. O espírito do texto é o mesmo contido na Declaração de Doha, da Organização Mundial do Comércio (OMC), de 2001, que abre caminho para o licenciamento compulsório de vacinas e remédios em emergências de saúde – que foi usada no combate ao HIV.

Os EUA, apesar de não terem bloqueado o texto, publicaram um comunicado com ressalvas à resolução. O governo americano rejeitou a quebra unilateral de patentes, dizendo que vacinas e remédios deveriam ser distribuídos de maneira “voluntária” pelos laboratórios. “A quebra de patentes enviaria a mensagem errada para inovadores que serão essenciais na busca por soluções que o mundo inteiro busca”, diz o comunicado da delegação americana.

O contraponto à posição dos EUA foi dado pela China, que apoiou a França e os países emergentes, afirmando que qualquer vacina que venha a ser descoberta deve ser tratada “como bem público, para uso da coletividade”. Na terça-feira, aumentando ainda mais o isolamento de Trump, a União Europeia apoiou a OMS. “É hora de solidariedade, não de apontar o dedo ou de minar a cooperação multilateral. A UE apoia os esforços da OMS”, disse a porta-voz da diplomacia europeia, Virginie Battu.

Os EUA enviam US$ 450 milhões anualmente à OMS, maior contribuição feita por um país. A verba já havia sido congelada por Trump em abril, como forma de pressionar a organização. No entanto, a promessa de Xi de dar US$ 2 bilhões nos próximos dois anos foi uma forma de neutralizar a influência americana e passar uma rasteira em Trump. 

Ontem, o governo chinês voltou a rejeitar as acusações americanas. “Os EUA estão tentando usar a China para desviar a responsabilidade pela péssima gestão da pandemia”, disse o porta-voz da chancelaria chinesa, Zhao Lijian. / REUTERS e AFP

Publicado originalmente em https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,ameaca-de-trump-a-oms-abre-caminho-para-china-liderar-luta-contra-covid-19,70003308318

Fausto Godoy
Doutor em Direito Internacional Público em Paris. Ingressou na carreira diplomática em 1976, serviu nas embaixadas de Bruxelas, Buenos Aires, Nova Déli, Washington, Pequim, Tóquio, Islamabade (onde foi Embaixador do Brasil, em 2004). Também cumpriu missões transitórias no Vietnã e Taiwan. Viveu 15 anos na Ásia, para onde orientou sua carreira por considerar que o continente seria o mais importante do século 21 – previsão que, agora, vê cada vez mais perto da realidade.