No segundo episódio do megassucesso de George Lukas, a “Guerra das Estrelas”, sob a liderança do vilão Darth Vader, o Império procura incansavelmente destruir através da galáxia o grupo dos amigos de Luke. — Han Solo, a Princesa Leia, entre outros. Luke fora treinado pelo Mestre Yoda a usar a Força. Quando finalmente Vader captura seus amigos, Luke precisa decidir se vai completar seu treinamento e se tornar um Cavaleiro Jedi ou confrontar Vader e salvá-los. Tem início o duelo final, e frente a Luke ferido, Vader diz que ambos podem se unir e governar a Galáxia. Luke se recusa a se juntar ao assassino de seu pai, mas Vader revela que ele é, na realidade, Anakin Skywalker, o seu pai. Luke se recusa a acreditar e, sem esperanças, se joga no abismo. Na queda, ele se segura em uma pequena antena, e usando a Força, consegue chamar por telepatia sua amiga e amada, a Princesa Leia, que, com seus outros amigos, o resgatam da morte certa. Este filme marcou os anos oitenta.
A história parece caber na saga que o G-7 – Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido – acaba de anunciar, por iniciativa do presidente Joe Biden, na reunião de Carbis Bay, Inglaterra, neste sábado, 12/06. A Casa Branca definiu o seu propósito: um ambicioso plano de desenvolvimento para os países pobres e emergentes a fim de competir com as iniciativas “darth vaderianas” dos chineses da “Nova Rota da Seda” de dominar o planeta!
Tal projeto, denominado “Reconstruir um mundo melhor”, tem por objetivo ajudar esses países a se recuperarem da pandemia, com foco no clima, saúde, tecnologia digital e no combate às desigualdades. Foi o que a Casa Branca informou num comunicado. Segundo a matéria do Estadão, “durante a reunião de cúpula, Biden exortou as nações europeias e o Japão a combater a crescente influência econômica e de segurança da China, oferecendo às nações em desenvolvimento centenas de bilhões em financiamento para a construção de novas estradas, ferrovias, portos e redes de comunicações”. Ainda segundo a matéria, “Biden usou a reunião para apresentar seu argumento de que a luta fundamental na era pós-pandemia será entre democracias e autocracias.” Ou seja, uma nova ”Guerra Fria”, com atores distintos, se prenuncia…
Reflitamos…a emergência da República Popular como potência global em tão curto espaço de tempo – o PIB do Brasil era superior ao da China em 1993 – é um dos fenômenos geoeconômicos/geopolíticos definitórios destas últimas décadas, desde que a desconstrução da União Soviética, em 1991, abriu espaço para a hegemonia inconteste dos Estados Unidos. Neste ínterim, a política de desconstrução do maoísmo “hard’ deslanchada por Deng Xiaoping, em 1978/9, baseada em neologismos econômicos como “economia socialista de mercado” e “socialismo com características chinesas”, tinha por objetivo estimular “os gatos a caçarem ratos, independentemente da sua cor”, como ele dizia. Ou seja, a China abandonava seu isolamento multissecular e as loucuras do “Grande Salto Adiante”, e sobretudo da “Revolução Cultural” de Mao, e se inseria na pangeia econômica, a princípio timidamente, com mão-de-obra barata, abundante e localizada nas “zonas econômicas especiais” que ela criou, por inspiração de Xin Jongxun (isto mesmo, o pai do atual Presidente da RPC, Xi Jinping), com o objetivo de abrir os espaços mais imediatos para o mundo exterior (não nos esqueçamos de que a primeira delas – Shenzhen – se situa no delta do Rio das Pérolas, a 24 km de Hong Kong, e ao lado de Macau).
Estas políticas têm sido orquestradas “pari passu” com os 14 Planos Quinquenais que o governo persegue como um roteiro obstinado, alimentados pelo “China Dream”, teoria forjada por um acadêmico, Liu Mingfu, que visa transformar a RPC no “leader of the global economy”, conforme está definido na primeira sentença do primeiro capítulo de seu livro, que Xi menciona, como mantra, na maioria dos seus discursos…Este projeto hegemônico se consubstancia em outras iniciativas, como o plano “Made in China 2025”, que selecionou dez setores de alta-tecnologia que, esperam os chineses, catapultarão o país ao cimo do patamar tecnológico, e a “Belt and Road Initiative”, um retraçado contemporâneo da antiga Rota da Seda que transformara o Império chinês na maior potência econômica do planeta até que o colonialismo europeu modificasse radicalmente este “status quo” no século XIX/XX.
Com o êxito do expansionismo do seu comércio, e a política desenvolvimentista que inaugurou na era Deng, a RPC se lança para resgatar o “Século das Humilhações”, como ela qualifica o período “colonialista”. Será?
Mas assusta…
Deste quadrante do planeta, o Ocidente central percebe este cenário como uma ameaça. Primeiramente, Donald Trump, republicano, deslanchou uma “guerra comercial”. O foco da disputa ficava na seara do comércio, como vínhamos acompanhando. Já Joe Biden, democrata, tem outra agenda, e outros objetivos: meio-ambiente, direitos humanos, Hong Kong, Tibete e os uighures passaram a ser prioridade; ou seja, a agenda comercial foi substituída, em grande parte, pela ideológica. Isto todos sabemos…eu já havia “cantado esta pedra” numa postagem quando Biden foi eleito.
Acredito que esta agenda seja mais complicada que a da disputa pela hegemonia do comércio, porque ela traz um elemento complicador: definir o que são Direitos Humanos para o Ocidente/EUA e para a China… O Ocidente se esteia na primazia dos direitos do “eu”/indivíduo da “Declaração dos Direitos do Homem”, e os chineses no do “nós” confucionista. Ou seja, a percepção do que são direitos humanos entre as duas geografias é quase antagônica. Isto se evidencia no que afirmou um funcionário de alto escalão da Casa Branca: “até agora o Ocidente falhou em oferecer uma alternativa positiva para a “falta de transparência, padrões ambientais e trabalhistas ruins e abordagem coercitiva” do governo chinês que deixou muitos países em situação pior”, como noticia o Estadão.
O comunicado distribuído à imprensa endossa esta percepção: “o plano “Reconstruir um mundo melhor” enfatiza o meio ambiente, os esforços anticorrupção, o fluxo livre de informações e os termos de financiamento que permitiriam aos países em desenvolvimento evitar o endividamento excessivo. Uma das críticas à Nova Rota da Seda é que deixa as nações dependentes da China, dando a Pequim vantagem sobre elas.”
E onde fica a Europa neste contexto?
Recordemos que em março de 2019, Xi Jinping realizou uma visita de Estado à Itália e à França. Foi esta a sua segunda viagem ao sul da Europa em cinco meses. Um dos seus principais objetivos foi seduzir os países europeus a aderirem ao projeto da “Nova Rota da Seda”, que, como sabemos, inclui o continente no seu traçado. A reação dos mandatários europeus foi “tépida”: os italianos demonstraram maior interesse, mas os franceses não se convenceram. Significativamente, para o encontro com Xi, o presidente Emmanuel Macron convidou a Chanceler alemã, Angela Merkel, que compareceu. O que significa que, de certa forma, o Continente está dividido entre os bônus e os ônus deste engajamento.
Tanto é que, segundo a imprensa, na reunião de Carbis Bay “os líderes concordam amplamente que a China está usando sua estratégia de investimento para fortalecer suas empresas estatais e construir uma rede de portos comerciais e, por meio da Huawei, sistemas de comunicação sobre os quais exerceria controle significativo. Mas funcionários que acompanharam a reunião disseram que Alemanha, Itália e União Europeia estão claramente preocupadas em arriscar seus enormes acordos comerciais e de investimento com Pequim ou em acelerar o que cada vez mais parece uma nova Guerra Fria”.
Quem é do grupo de Darth Vader, e da turma do Luke e da Princesa Leia, afinal? Será que é o caso de se tomar posição neste macro-imbróglio político/econômico/ideológico? O que está em jogo é demasiado importante para decisões precipitadas, acredito eu. Talvez a melhor estratégia para nós, brasileiros, neste momento, é seguirmos as lições do “pragmatismo responsável” do saudoso Chanceler Azeredo da Silveira (replicando o tal lema de Deng Xiaping dos ”gatos e ratos”…): persigamos acima de tudo, e de todos, os nossos interesses nacionais!
Recomendo aos amigos que leiam a matéria abaixo do Estadão/NYT, AFP e REUTERS: