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A ideologização da política externa brasileira: por que precisamos nos relacionar com todos?

Foto: MARTIN BERNETTI/AFP/GETTY IMAGES / BBC News Brasil

O presidente Jair Bolsonaro afirmou que não comparecerá à posse do presidente eleito no Chile, Gabriel Boric. A cerimônia de posse está agendada para o dia 11/03 e facilmente permitiria a ida de Bolsonaro, prestigiando o governo chileno. A razão dessa recusa está na posição política do Boric, que é de esquerda.

Não é a primeira vez que Bolsonaro se recusa a ir a uma posse presidencial de um país latino-americano. Em 2019 Bolsonaro não foi à posse do argentino Alberto Fernández (note-se que nos 17 anos anteriores os presidentes brasileiros foram à cerimônia de posse, dada a importância do país para as relações internacionais brasileiras). Em 2020 Bolsonaro também não foi à posse do boliviano Luis Arce, sequer enviando um representante além do Embaixador do Brasil na Bolívia (algo que é protocolar). Já em 2021 foi a vez de Bolsonaro não ir à posse do peruano Pedro Castillo. O que há em comum em todos esses presidentes é que são de esquerda e derrotaram candidatos conservadores ou de direita. Ao mesmo tempo, Bolsonaro prestigiou a posse do equatoriano Guilherme Lasso, ano passado. Lasso, por sua vez, era um candidato conservador e apoiado pela direita tradicional do Peru.

Esse tipo de comportamento mostra o apequenamento da presidência brasileira diante das questões internacionais. Ao vincular o posicionamento político-partidário de um presidente às demonstrações de públicas de apreço ao presidente de outro país, Bolsonaro mostra que suas crenças ideológicas são mais relevantes do que as relações que mantemos com outros países.

É preciso que a política externa brasileira, especialmente aquela conduzida pela presidência da República, volte a se pautar nas relações entre Estados e não nas relações pessoais. Ainda que seja legítimo defender pautas (para a direita, centro ou esquerda) dentro do país, quando se trata de relações bilaterais, é importante entendermos que estamos falando de algo que vai além das ideologias dos governantes. A manutenção de boas relações com os outros países (especialmente com nossos vizinhos da América Latina) é algo que interessa ao Brasil no longo prazo. Estamos falando de potenciais colaborações nas áreas econômica, de segurança e técnicas. A partir do momento em que se ideologiza as relações, esse potencial é ameaçado.

É importante lembrar que isso é válido não só para as questões ideológicas, mas outras que estão ligadas aos sistemas de governo. Não importa se o governo é autoritário, teocrático, democrático, monárquico, bicameral… A relação do Estado brasileiro deve sempre lembrar que ocorre com outro Estado. Insistir em julgamentos a partir da própria visão de mundo e limitar as relações bilaterais é impor uma perda ao Brasil que demorará muitos anos para ser recuperada.

Rodrigo Cintra
Pós-Doutor em Competitividade Territorial e Indústrias Criativas, pelo Dinâmia – Centro de Estudos da Mudança Socioeconómica, do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa (ISCTE, Lisboa, Portugal). Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2007). É Diretor Executivo do Mapa Mundi. ORCID https://orcid.org/0000-0003-1484-395X