ISSN 2674-8053

“Acordo Mercosul-UE em encruzilhada: diplomacia, comércio e sustentabilidade

O acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, embora tenha sido firmado em 2019, ainda enfrenta desafios significativos para sua implementação. Este acordo, que abarcaria 32 países e criaria o maior bloco de livre comércio do mundo, com um PIB combinado de cerca de US$ 20 trilhões, encontra-se em um delicado estágio de negociações e revisões.

Um dos principais entraves ao progresso do acordo é a questão ambiental. A França, liderada pelo presidente Emmanuel Macron, tem sido uma voz crítica, enfatizando a necessidade de garantias robustas relacionadas ao cumprimento do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas. Macron, recentemente, descreveu o acordo Mercosul-UE como antiquado e contraditório às políticas ambientais, tanto da França quanto do Brasil. Esta postura reflete uma crescente preocupação global com a sustentabilidade e a proteção ambiental, colocando a agenda verde no centro das relações comerciais internacionais​​.

Além disso, a oposição da França pode ser interpretada como uma forma de protecionismo econômico, especialmente no setor agrícola. A abertura de mercados por meio da eliminação de tarifas poderia impactar negativamente os produtores agrícolas franceses, que se veriam em competição com os produtos agrícolas brasileiros. Esta tensão entre livre comércio e protecionismo nacional reflete uma disputa mais ampla no cenário global, onde a abertura de mercados muitas vezes entra em conflito com interesses econômicos internos​​.

Por outro lado, o Brasil, sob a liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tem demonstrado um compromisso renovado com as políticas ambientais, tentando se posicionar como um líder na agenda verde global. Isto é crucial para a credibilidade do Brasil no acordo, dadas as críticas anteriores relacionadas ao desmatamento e à gestão ambiental. A postura do Brasil é um reflexo da importância crescente da sustentabilidade nas políticas econômicas e comerciais globais​​.

Ademais, um aspecto técnico importante nas negociações diz respeito às compras governamentais. O Brasil defende que empresas nacionais deveriam ter preferência nessas compras, uma posição que desafia a proposta inicial do acordo que favorecia a igualdade de condições para empresas europeias e do Mercosul nas licitações governamentais. Esta questão é um exemplo de como as políticas internas podem influenciar negociações comerciais internacionais, refletindo o delicado equilíbrio entre abrir mercados e proteger indústrias nacionais​​.

A complexidade do acordo é aumentada pela diversidade de interesses e políticas dos países membros de ambos os blocos. Cada país traz suas próprias prioridades e preocupações para a mesa de negociações, tornando o processo ainda mais desafiador. Além disso, mudanças políticas, como a eleição de Javier Milei na Argentina, podem influenciar o curso das negociações, adicionando outra camada de incerteza​​.

A análise do posicionamento dos países europeus em relação ao acordo entre Mercosul e União Europeia revela um panorama diversificado, com algumas nações expressando apoio, enquanto outras manifestam oposição. Isso torna as negociações em andamento ainda mais complicadas.

Países Contrários ao Acordo

França: Liderada pelo presidente Emmanuel Macron, a França tem sido uma das principais vozes contra o acordo. Macron expressou preocupações ambientais, especialmente relacionadas ao cumprimento do Acordo de Paris, e criticou o acordo como antiquado e inadequado às atuais políticas ambientais​​.

Holanda, Áustria e Valônia (região da Bélgica): Estes países votaram contra a ratificação do acordo, citando preocupações de que o tratado poderia ter impactos negativos no meio ambiente​​.

Irlanda e Luxemburgo: Estes países também mostraram resistência ao acordo, embora os detalhes específicos de suas objeções não sejam claros nas fontes disponíveis.

Países Favoráveis ao Acordo

Espanha, Itália, Portugal e Suécia: Estes países estão buscando aliados dentro da Comissão Europeia para superar a resistência de Macron ao acordo, visando garantir um acesso privilegiado da UE ao maior bloco comercial da América do Sul​​.

República Tcheca, Dinamarca, Estônia, Finlândia, Letônia: Junto com Espanha, Itália, Portugal e Suécia, esses países escreveram ao chefe de comércio da UE, argumentando que não assinar e ratificar o acordo Mercosul-UE afetaria a credibilidade da UE como parceiro negociador e geopolítico, fortalecendo a posição de outros competidores na região​​.

Alemanha: O país expressou esperança por uma conclusão rápida das negociações do acordo, com o Chanceler Olaf Scholz hospedando o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva em Berlim para discussões governamentais. A Alemanha apoia o acordo e deseja que ele seja concluído rapidamente​​.

Presidência Sueca da UE: A Suécia, atualmente na presidência rotativa do Conselho da UE, é muito favorável ao comércio e, junto com a próxima presidência espanhola, apoia fortemente o acordo devido a laços históricos com países de língua espanhola na América do Sul​​.

A perspectiva de sucesso ou fracasso do acordo entre o Mercosul e a União Europeia é influenciada por uma série de fatores, tanto políticos quanto econômicos e ambientais. Vamos analisar alguns desses aspectos:

Fatores que Podem Influenciar o Sucesso:

Apoio de Países-Chave da UE: Países como Espanha, Itália, Portugal, Suécia e Alemanha apoiam o acordo, o que pode impulsionar as negociações. A Espanha e Portugal, em particular, têm laços históricos fortes com a América Latina, o que pode incentivar um maior empenho na ratificação do acordo​​​​​​.

Preocupações com a Influência Global: Alguns países europeus argumentam que não ratificar o acordo poderia prejudicar a credibilidade da UE como parceiro de negociação e fortalecer a posição de outros competidores, como a China, na região​​.

Interesses Econômicos: O acordo representa uma oportunidade significativa de livre comércio, prometendo acesso a mercados e potencial para crescimento econômico em ambos os blocos.

Fatores que Podem Influenciar o Fracasso:

Resistência Ambiental e de Protecionismo: A França, a Holanda, a Áustria e outros expressaram oposição ao acordo, principalmente devido a preocupações ambientais e protecionismo econômico. A França, por exemplo, tem sido vocal sobre a necessidade de garantias ambientais mais fortes​​​​.

Desafios Políticos Internos: Mudanças políticas, como a eleição de Javier Milei na Argentina, um crítico do Mercosul, podem adicionar incerteza às negociações​​.

Questões Técnicas de Negociação: Aspectos como compras governamentais ainda são pontos de discussão, com países do Mercosul, especialmente o Brasil, buscando proteger suas indústrias nacionais​​.

A perspectiva do acordo é incerta. Por um lado, existe um forte apoio de alguns membros da UE, com argumentos econômicos e geopolíticos favoráveis ao acordo. Por outro lado, a resistência de países-chave como a França, preocupações ambientais e desafios nas negociações técnicas representam obstáculos significativos. A evolução do cenário político e ambiental nos próximos meses será crucial para determinar se o acordo avança para a ratificação ou enfrenta um impasse prolongado.

Rodrigo Cintra
Pós-Doutor em Competitividade Territorial e Indústrias Criativas, pelo Dinâmia – Centro de Estudos da Mudança Socioeconómica, do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa (ISCTE, Lisboa, Portugal). Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2007). É Diretor Executivo do Mapa Mundi. ORCID https://orcid.org/0000-0003-1484-395X