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Aquecimento global e desenvolvimento: a COP e o dilema dos países emergentes entre economia e sustentabilidade

A Conferência das Partes (COP), principal fórum de negociação climática das Nações Unidas, promove discussões essenciais sobre as mudanças climáticas e o aquecimento global. Contudo, à medida que países de todo o mundo discutem metas de redução de emissões, surge um dilema significativo: como equilibrar as urgentes demandas ambientais com as necessidades econômicas e de desenvolvimento dos países, especialmente aqueles em desenvolvimento? Esse equilíbrio é particularmente relevante, pois essas nações enfrentam o desafio de crescer economicamente enquanto implementam práticas sustentáveis, numa época em que suas economias ainda dependem de setores intensivos em carbono.

Historicamente, os países desenvolvidos são os maiores emissores de gases de efeito estufa. A industrialização da Europa e dos Estados Unidos contribuiu de forma significativa para os níveis atuais de aquecimento global. A Agência Internacional de Energia aponta que, juntos, os países ricos são responsáveis por quase 80% do total acumulado de emissões de carbono. Embora muitos desses países hoje estejam focados em transições para uma economia verde, as nações em desenvolvimento, como Índia, China, Brasil e África do Sul, ainda precisam expandir suas economias e melhorar a qualidade de vida de suas populações, o que frequentemente implica aumento do consumo de energia.

No contexto da COP26, por exemplo, a Índia reiterou a importância de um “espaço de carbono” para os países em desenvolvimento. O primeiro-ministro indiano Narendra Modi destacou que, enquanto o país investe em energias renováveis e conta com uma das maiores instalações solares do mundo, a Índia ainda necessita de carvão para atender à sua crescente demanda energética. A Índia comprometeu-se com uma meta de neutralidade de carbono até 2070, mas enfatiza que a transição para um modelo sustentável deve respeitar as necessidades de desenvolvimento de sua população de mais de 1,4 bilhão de pessoas. Este é um exemplo claro de como uma política climática rigorosa pode colidir com a realidade econômica de um país emergente.

O Brasil, por sua vez, tem uma posição singular na discussão climática. Sendo o país com a maior cobertura de floresta tropical do planeta, o Brasil desempenha um papel vital no sequestro de carbono e na manutenção dos ecossistemas. No entanto, também enfrenta sérios desafios econômicos e sociais. Em muitas áreas da Amazônia, a extração de madeira e a agricultura são as principais fontes de renda, colocando pressão sobre o meio ambiente. Diante disso, o país busca políticas que promovam um desenvolvimento sustentável, mas esbarra em dificuldades para encontrar financiamento adequado para preservar suas florestas e reduzir o desmatamento, sem impactar negativamente o crescimento econômico. A dependência do agronegócio e a pressão para aumentar a produção de alimentos para exportação também são fatores que tornam essa transição para uma economia de baixo carbono mais complexa.

Outro exemplo significativo é a África do Sul. Com uma economia altamente dependente do carvão, que responde por cerca de 80% de sua geração de eletricidade, o país enfrenta uma das transições mais desafiadoras para fontes mais limpas de energia. A África do Sul precisa, de um lado, reduzir suas emissões e, de outro, preservar empregos no setor energético e garantir o acesso à energia a uma grande parcela da população. Nos últimos anos, o país avançou em programas de energia solar e eólica, mas as dificuldades econômicas e a necessidade de investimentos em infraestrutura limitam a velocidade de transição. A experiência sul-africana demonstra que, para muitos países em desenvolvimento, o financiamento internacional é fundamental para que a transição verde seja viável.

A China, maior emissora global de gases de efeito estufa, também se comprometeu com uma meta ambiciosa: atingir a neutralidade de carbono até 2060. Ainda assim, o crescimento econômico do país ainda é amplamente impulsionado por fontes de energia como o carvão, que representa cerca de 60% de sua matriz energética. Para um país que tirou centenas de milhões de pessoas da pobreza em apenas algumas décadas, as pressões para manter a expansão econômica e a estabilidade social são enormes. A China tem investido pesadamente em energias renováveis, sendo líder mundial em capacidade instalada de energia solar e eólica. No entanto, especialistas argumentam que a transição completa demandará décadas e exige o apoio internacional e a partilha de tecnologias verdes.

Os Estados africanos de forma mais ampla também apresentam desafios específicos. Países como Nigéria e Angola, cujas economias são altamente dependentes do petróleo e gás, enfrentam dificuldades em diversificar suas fontes de renda e reduzir sua dependência dos combustíveis fósseis. Além disso, a África é o continente que menos contribuiu historicamente para o aquecimento global, mas é um dos mais vulneráveis aos seus efeitos, como secas, enchentes e insegurança alimentar. Na COP27, realizada no Egito, houve um destaque para a criação de um fundo de compensação climática para países em desenvolvimento, refletindo a crescente pressão para que as nações ricas assumam responsabilidade pelas consequências das mudanças climáticas.

Esses exemplos ilustram a necessidade de que as políticas climáticas adotadas pela COP considerem as realidades econômicas e sociais distintas entre as nações. É essencial que se reconheça as responsabilidades históricas dos países desenvolvidos, que têm os recursos e a tecnologia para apoiar a transição verde nos países em desenvolvimento. A questão do financiamento é crítica nesse sentido. A promessa de US$ 100 bilhões anuais em ajuda climática para os países em desenvolvimento, feita nas COPs anteriores, ainda não foi totalmente cumprida, e o apoio financeiro para a transição sustentável continua aquém do necessário.

O equilíbrio entre a mitigação do aquecimento global e o desenvolvimento econômico é uma questão complexa e vital. Políticas climáticas eficazes precisam ser adaptativas e inclusivas, levando em conta as desigualdades históricas e as diferentes fases de desenvolvimento entre os países. A COP e outros fóruns de negociação climática devem reconhecer que as soluções de mitigação climática não podem ser aplicadas uniformemente. Um caminho mais justo incluiria, além de metas ambientais, um apoio financeiro concreto e a transferência de tecnologias para que os países em desenvolvimento possam reduzir suas emissões sem sacrificar o crescimento econômico. Somente por meio de uma abordagem equilibrada e cooperativa será possível alcançar um futuro sustentável para todos, onde o desenvolvimento e a preservação do meio ambiente coexistam de forma harmoniosa.

Rodrigo Cintra
Pós-Doutor em Competitividade Territorial e Indústrias Criativas, pelo Dinâmia – Centro de Estudos da Mudança Socioeconómica, do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa (ISCTE, Lisboa, Portugal). Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2007). É Diretor Executivo do Mapa Mundi. ORCID https://orcid.org/0000-0003-1484-395X

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