
A segurança da informação deixou de ser apenas uma preocupação técnica ou empresarial e passou a ser tratada como uma questão central de soberania nacional e disputa geopolítica. Os Estados Unidos lideram esse processo de militarização do ciberespaço e da inteligência artificial (IA), transformando dados, algoritmos e infraestrutura digital em ativos estratégicos comparáveis a armas convencionais. Essa abordagem tem gerado tensões crescentes com a China e afetado diretamente aliados europeus, como no caso da França.
A criação do Comando Cibernético dos Estados Unidos (USCYBERCOM) em 2010 marcou o início dessa nova era. Integrado ao Departamento de Defesa, o USCYBERCOM unificou operações ofensivas e defensivas no ciberespaço, atuando em conjunto com a Agência de Segurança Nacional (NSA). Desde então, o orçamento destinado à cibersegurança tem aumentado significativamente, com cerca de US$ 30 bilhões alocados para essa área no ano fiscal de 2025, refletindo a prioridade dada à proteção e ao domínio do espaço digital.
A competição tecnológica entre EUA e China intensificou essa militarização. Os Estados Unidos impuseram restrições rigorosas à exportação de chips avançados de IA e softwares de design de semicondutores para a China, visando limitar o avanço tecnológico do país asiático. Essas medidas afetaram empresas como a Nvidia, que sofreu perdas significativas devido à proibição de vendas de seus chips H20 para o mercado chinês. Analistas e executivos do setor alertam que tais restrições podem ser contraproducentes, estimulando a China a acelerar seus próprios desenvolvimentos tecnológicos e reduzir a dependência de tecnologias ocidentais.
Em resposta, a China adotou medidas estratégicas, como a imposição de controles rigorosos sobre a exportação de minerais de terras raras, essenciais para a fabricação de tecnologias avançadas, incluindo veículos elétricos e equipamentos militares. Com cerca de 70% da produção global e mais de 90% do processamento desses minerais, a China detém uma posição dominante nesse mercado. Essas restrições têm causado preocupações em países ocidentais, que buscam diversificar suas fontes de suprimento e reduzir a dependência chinesa.
A tensão entre as duas potências também se manifesta nas negociações comerciais. Em junho de 2025, representantes dos EUA e da China se reuniram em Londres para discutir questões relacionadas a tarifas, exportações de terras raras e restrições tecnológicas. Embora tenham alcançado um acordo preliminar, divergências persistem, especialmente em relação às restrições de exportação de tecnologias de IA e semicondutores impostas pelos EUA e às limitações chinesas sobre exportações de minerais críticos.
A militarização da segurança da informação não se limita à rivalidade entre EUA e China. Na Europa, a questão da soberania digital tem ganhado destaque. Em dezembro de 2023, a Autoridade Francesa de Proteção de Dados (CNIL) multou a Amazon France Logistique em €32 milhões por práticas de monitoramento excessivo de funcionários, incluindo vigilância por vídeo sem informações adequadas e coleta de dados sem medidas de segurança suficientes. O caso evidenciou as preocupações com a privacidade e o controle de dados por empresas multinacionais, levantando debates sobre a proteção de informações sensíveis em um ambiente globalizado.
Esses acontecimentos refletem uma tendência global de tratar a segurança da informação como uma questão estratégica, com implicações profundas para a governança internacional. A falta de consenso sobre normas e regulamentações aumenta o risco de conflitos e dificulta a cooperação em áreas críticas. Enquanto isso, países como Singapura buscam mediar essas tensões, promovendo iniciativas para a segurança e ética na IA, embora enfrentem desafios significativos diante das rivalidades geopolíticas.
Em um mundo onde dados e algoritmos se tornaram armas estratégicas, a necessidade de estruturas de governança robustas e colaborativas é mais urgente do que nunca. A capacidade de equilibrar segurança nacional, inovação tecnológica e direitos individuais será determinante para a estabilidade e prosperidade globais nas próximas décadas.
Pós-Doutor em Competitividade Territorial e Indústrias Criativas, pelo Dinâmia – Centro de Estudos da Mudança Socioeconómica, do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa (ISCTE, Lisboa, Portugal). Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2007). É Diretor Executivo do Mapa Mundi. ORCID https://orcid.org/0000-0003-1484-395X