A Ásia tem sido tradicionalmente um enigma para as administrações americanas, que encontram na região parceiros – ou não – da dimensão de China, Índia, Japão e Coreia do Sul, gigantes econômicos cuja longa história compartilhada revela nuances e apresenta desafios que ultrapassam o ideário simplista do Ocidente “Trump style”.
De sua parte, ao longo do século passado, os países asiáticos elegeram a segurança regional como prioridade no relacionamento com os Estados Unidos. Desde o término da II Guerra, os americanos assumiram o compromisso de velar pela manutenção da paz no leste do Pacífico. Este compromisso é antes de Estado que de governo, como comprova o “Taiwan Strait Act”, que os EUA firmaram com Taiwan, em 1979, quando Washington transferiu o reconhecimento da China de Taipé para Pequim. Compromisso igualmente importante, o “Acordo sobre Segurança”, concluído com os japoneses em 1951, viabilizou a presença militar americana no extremo leste e o seu patrulhamento dos mares da região. Estes acordos terão sido, por si sós, impedimento para que Donald Trump tomasse qualquer decisão radical que redundasse no desengajamento do compromisso assumido, como ele havia ameaçado no início do seu mandato.
E quais seriam as alianças mais proveitosas para o presidente-eleito dos Estados Unidos neste universo complexo? Perduraria a obsessão de seu antecessor de conter o espraiamento da China a qualquer custo, que levou Donald Trump a deflagrar a “guerra” comercial-tecnológica com Pequim que até agora não revelou benefícios convincentes? Estrategistas milenares, os chineses têm, de sua parte, por ora se limitado a retaliar as investidas norte-americanas…
Neste cenário, quais seriam atualmente os principais parceiros para os americanos? Se olharmos para o tabuleiro político asiático notamos que as alianças mais reconhecidas grosso modo na região têm sido EUA + Índia versus China + Paquistão, neste último caso para viabilizar a passagem das exportações chinesas para o Mar da Arábia através do porto de Gwadar e subsequentemente para o Oceano Índico e o Ocidente.
Só que o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, tem estratégia própria e ambiciona ampliar o mercado de seu país com os vizinhos do Sudeste Asiático, em competição com os chineses. Esta é, aliás, a raiz do plano “Act East” que Modi promove com empenho para reforçar a posição da Índia como potência regional e contra-arrestar a influência da República Popular da China, aliás sua parceira no BRICS. Esta, por sua vez, corteja com insistência estes mesmos países do sudeste asiático no âmbito da sua “Belt and Road Initiative”, que tenciona restaurar de forma ampliada a que foi a maior via de comércio e de miscigenação de civilizações da História, unindo a Ásia, a Europa e a África desta feita num ambicioso projeto econômico-tecnológico. Só que, todos estes países – à exceção da Índia, por ora – opõem-se uns aos outros com crescente antagonismo e ânimo beligerante, contra a República Popular, principalmente, na disputa territorial pelas ilhas do Mar do Sul da China.
Complexo?
Neste cenário embaralhado, seria o melhor aliado para o presidente americano o indiano Narendra Modi, líder da terceira maior economia da Ásia e quinta do planeta, com mais de 1,3 bilhão de habitantes, mais de 50%, dos quais com idade inferior a 35 anos (!!!), que tem uma postura econômica liberal mas promove a radicalização do nacionalismo hindu, cujas implicações escapam ao pleno entendimento do Ocidente cristão? Seria o fator “Kamala Harris” – vice-presidente eleita de descendência direta indiana – importante nesta equação?
Ou, ainda, seria mais vantajoso o estreitamento dos laços com as economias dinâmicas do sudeste da Ásia, com mão-de-obra abundante, barata e crescentemente especializada também no setor de tecnologia, cujo perfil poderia influir tanto nas pautas do comércio bilateral quanto na disputa por terceiros mercados? Isto para não mencionar a própria China de Xi Jinping, que elegeu dez setores de tecnologia de ponta no seu projeto “Made in China 2025”, que a catapultarão – assim ambiciona a sua liderança – ao topo da geoeconomia pós-industrial em meados deste século.
Todos estes cenários estarão postos sobre a agenda de Joe Biden, com os seus prós e contras. Esperemos que a sua expertise em política externa dite o melhor roteiro. Certamente não será um jogo de soma zero com relação à região que mais cresce no planeta a melhor estratégia para os americanos. Definitivamente, a Ásia de 2020 constitui um desafio para qualquer presidente dos EUA. Dizem as más línguas, até, que o futuro está de mudança para o Pacífico…