No final de 2019 começou a operação de uma rota aérea comercial entre São Paulo e as Ilhas Malvinas. Esse vôo não é simplesmente o lançamento de mais uma rota para exploração comercial, mas mais um passo – quase que simbólico – sobre uma mudança importante que vem ocorrendo entre a Argentina e as Ilhas Malvinas (ou Falklands, a depender do ponto de vista).
Durante os 12 anos dos governos Néstor Kirchner e Cristina Fernández (2003 a 2015) a relação entre a Argentina e o Reino Unido, entorno das Malvinas/Flaklands era mais dependente da discussão da soberania e da militarização crescente do Atlântico Sul. Já sob o governo de Mauricio Macri houve uma tendência à mudança desta forma de relacionamento. Já em 2016 foi celebrado o acordo Foradori-Duncan (https://negociacionytomadedecisiones.files.wordpress.com/2018/05/01_acuerdo-foradori-duncan.pdf), que abriu espaço para novas formas de relacionamento entre os dois países e, assim, entre outros países. É neste contexto que a rota aérea operada pela empresa LATAM (nem argentina, nem britânica) começa a funcionar.
Mas a questão vai além da dimensão comercial ou mesmo da busca pela distensão da tensão político-militar entre Argentina e Reino Unido.
O Atlântico Sul Ocidental (que equivale ao lado americano deste oceano) conta com apenas dois atores fronteiriços: Argentina e Brasil. Ao mesmo tempo, percebe-se a presença de outros dois atores extra-regionais: os Estados Unidos e o Reino Unido. Enquanto os Estados Unidos têm uma importante presença naval, o Reino Unido tem a presença via Malvinas.
Em tempos de paz mundial e considerando a região do Oceano Atlântico Sul como uma região tradicionalmente pacífica, por que a manutenção da presença de potências extra-regionais é importante? Parte importante da resposta está no comércio.
Estima-se que 80% do petróleo importado pela Europa transite por este oceano, assim como 40% das importações norte-americanas. Para se ter uma ideia, seria algo como 200 mil viagens de navios por esse oceano anualmente.
O Atlântico também é um dos caminhos privilegiados, especialmente considerando-se América do Norte e Europa, para o acesso à Antártida. Esta, por sua vez, além de ser um território com muitos recursos minerais e mesmo de biodiversidade, tem pouco mais de 70% das reservas mundiais de água doce em formato de gelo.
O controle das Malvinas tem se mostrado muito importante em termos geopolíticos em função da sua localização. Tão importante que tem uma base aérea (Mount Pleasant) com uma pista de pousos com 1500 metros, o que permite o pouso de aviões de grande porte, ainda que estejamos falando de uma população que não chega aos 3 mil habitantes. Lá também existe um porto de águas profundas (Mare Harbour), o que permite a ancoragem de grandes navios e mesmo submarinos (que são constantemente deslocados para a região).
As Malvinas devem ser compreendidas dentro de um cenário geoestratégico ainda maior. Esse arquipélago faz parte de uma sequência de posições militares presentes em três ilhas: Santa Helena, Ascensão e Tristão da Cunha (https://pt.wikipedia.org/wiki/Santa_Helena,_Ascens%C3%A3o_e_Trist%C3%A3o_da_Cunha). Não se pode dizer que são propriamente bases militares, mas fazem parte de uma importante estrutura que liga a América do Sul à África.
Ainda assim, não é possível compreender a questão da região apenas olhando para a presença militar britânica na região. Enquanto os Estados Unidos reativaram em 2008 a chamada IV Frota (https://pt.wikipedia.org/wiki/Quarta_Frota_dos_Estados_Unidos), o Tratado de Lisboa e a Constituição Europeia consolidavam a ideia de que as Malvinas eram oficialmente territórios ultramarinos britânicos e, portanto, territórios europeus. A soma destes movimentos mostra uma busca mais coordenada de presença na região, ao que é demandado no âmbito da OTAN.
Ainda que existam recursos minerais, sobretudo hidrocarbonetos, e recursos marinhos vivos na região, esses recursos não são capazes de explicar o especial interesse no lugar. Os investimentos e o perfil de ocupação mostra uma área mais vocacionada a sua localização geopolítica do que propriamente uma região para ser explorada comercialmente.
O Brasil precisa entender que as Ilhas Malvinas são mais do que apenas uma disputa longe da nossa realidade, travada entre Argentina e Reino Unido, procurando controlar algumas ilhas no Atlântico Sul. Seu controle, bem como a forma como vêm operando Reino Unido e Estados Unidos mostram a importância para o controle regional.