ISSN 2674-8053

Exercícios militares no mar do Japão, dois pesos, duas medidas

Formas militares da China e Rússia durante a cerimônia de abertura dos exercícios militares do mar do Japão. Foto: Xinhua

No dia 14 de outubro (2021), China e Rússia realizaram exercícios navais no Mar do Japão. A ação faz parte de exercícios conjuntos que se estenderam pelos dias seguintes. Em que pese o exercício ter ocorrido em águas internacionais e ser algo recorrente desde 2012, é possível ver várias críticas por parte de políticos e da imprensa.

Do lado nipo-estadunidense o que se vê é uma crítica em relação à ameaça que tais exercícios criam, já que é entendido como uma pressão militar e diplomática sobre o Japão, especialmente considerando a disputa pelo controle das ilhas Senkaku (nome japonês) ou Diaoyu (nome chinês). As ilhas são controladas pelo Japão desde a II Guerra Mundial, mas também são demandadas pela China.

Não se tratam apenas de algumas ilhas rochosas e desabitadas entre os dois países, mas do controle sobre reservas de petróleo e gás recentemente descobertas.

Do lado sino-russo, trata-se de um exercício de prontidão e alerta, buscando aumentar a capacidade de resposta militar em possíveis ataques. O que mais chama a atenção é o nível de colaboração mais intenso do que nos anos anteriores. Efetivamente houve a utilização de armas de uma parte pela outra. A partir desse tipo de cooperação é possível esperar o compartilhamento de sistemas de comunicação, bem como uma maior facilidade para a criação de estruturas conjuntas de comando.

Ainda que isso não signifique uma aliança formal de defesa, o caminho de cooperação se mostra bastante promissor. E é isso que é apontado como uma ameaça à estabilidade regional.

Se voltarmos para o final de junho veremos o mesmo tipo de movimentação, mas agora com as críticas invertidas. Naquele momento os Estados Unidos se juntaram à Ucrânia para a realização do maior exercício naval ocidental realizado no mar Negro.

De forma semelhante o que se vê em ambos os casos é o uso de navios, aviões e helicópteros. Igualmente, em ambos as declarações do lado promotor dos exercícios vão no sentido de mostrar que há uma preocupação em estar pronto, caso necessário, e de que os exercícios servem de demonstração de poder com o objetivo de manter a paz.

Ultrapassando a questão da necessidade real dos exercícios militares, é importante destacar a diferença de tratamento entre as duas iniciativas por parte da mídia. Ela mostra a incapacidade que o Ocidente tem de perceber uma mudança estrutural das relações de poder internacional. Continuamos a acreditar que as ações que visam a manutenção da atual “ordem internacional” são legítimas, já que garantem uma estabilidade. As ações que questionam essa ordem são ruins porque levariam à instabilidade.

Colaborações como essa entre a China e a Rússia mostram que a “atual ordem” não é mais sustentável. Mais do que declarações sobre potenciais ameaças, o que precisamos começar a reverberar é uma avaliação mais aberta sobre como uma nova ordem está sendo gestada.

Rodrigo Cintra
Pós-Doutor em Competitividade Territorial e Indústrias Criativas, pelo Dinâmia – Centro de Estudos da Mudança Socioeconómica, do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa (ISCTE, Lisboa, Portugal). Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2007). É Diretor Executivo do Mapa Mundi. ORCID https://orcid.org/0000-0003-1484-395X