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O Tribunal Penal Internacional sob ataque

O Tribunal Penal Internacional (TPI), sediado em Haia, enfrenta uma escalada de pressões e ameaças institucionais que colocam em risco sua independência, especialmente em um momento em que suas decisões podem afetar interesses estratégicos globais, como os conflitos na Ucrânia e na Palestina. Sanções econômicas, ameaças políticas diretas e campanhas de deslegitimação estão entre os instrumentos utilizados para tentar conter sua atuação.

A Corte, criada para julgar crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídios, está hoje no centro de uma disputa geopolítica. Com investigações abertas contra Israel por crimes cometidos nos territórios palestinos e contra autoridades russas pela guerra na Ucrânia, o TPI se tornou alvo de potências que, até pouco tempo atrás, se diziam defensoras da justiça internacional — mas que agora reagem com hostilidade quando seus próprios aliados ou interesses são questionados.

Sanções e intimidações crescentes

Nos últimos anos, especialmente a partir de 2020, os Estados Unidos lideraram uma política aberta de sanções contra membros do TPI. O caso mais emblemático foi a imposição de sanções econômicas contra a então promotora-chefe Fatou Bensouda e outros membros da corte, após o anúncio de que o TPI investigaria crimes de guerra cometidos por militares norte-americanos no Afeganistão. Embora o governo Biden tenha posteriormente retirado essas sanções, o precedente ficou estabelecido: a pressão sobre o tribunal pode ser exercida como ferramenta de política externa.

Em 2023 e 2024, com a intensificação das investigações sobre ações militares de Israel em Gaza e da Rússia na Ucrânia, o ambiente voltou a se deteriorar. O governo de Benjamin Netanyahu, por exemplo, passou a ameaçar publicamente membros do TPI e pressionar aliados ocidentais a fazerem o mesmo. Nos Estados Unidos, parlamentares republicanos chegaram a propor novas sanções contra juízes da corte caso ela emitisse mandados de prisão contra oficiais israelenses.

Na Rússia, o mandado de prisão emitido contra Vladimir Putin em 2023 levou a uma série de retaliações simbólicas e práticas. Moscou anunciou que qualquer cooperação com o TPI estava encerrada e classificou seus membros como “agentes hostis”. Além disso, iniciou processos internos para criminalizar qualquer colaboração com a corte por parte de cidadãos russos.

Esse clima afeta não apenas os alvos diretos das investigações, mas também a disposição de outros países em cooperar com a corte. Na África, onde o TPI já enfrentava críticas de seletividade por parte de líderes regionais, cresce a percepção de que a instituição atua conforme os interesses do Norte Global — especialmente quando investigações contra potências ocidentais são enterradas ou postergadas indefinidamente.

O risco de uma paralisia estratégica

Esse conjunto de pressões não se limita ao campo simbólico. Ele afeta diretamente o funcionamento da corte. A decisão de avançar ou não com determinadas investigações passa a considerar não apenas as evidências jurídicas disponíveis, mas também os custos políticos e institucionais envolvidos. Isso cria um paradoxo: quanto mais relevantes geopoliticamente são os casos, mais difícil se torna sua investigação.

A procuradoria do TPI, atualmente liderada por Karim Khan, tem sido criticada por demonstrar seletividade ou lentidão diante de pressões externas. Embora o caso contra Putin tenha sido considerado um avanço histórico, há um impasse em torno da investigação de crimes cometidos por Israel em Gaza. Fontes internas relatam dificuldades em conseguir cooperação internacional, coleta de provas e até mesmo proteção para testemunhas, num ambiente marcado por vigilância e ameaças.

A postura de Khan tem sido ambígua. Em relação ao conflito Israel-Palestina, ele afirmou recentemente que a corte “atua com imparcialidade”, mas evitou prazos ou decisões concretas. Já no caso da Ucrânia, onde há amplo apoio ocidental, as ações do TPI avançaram com velocidade incomum, o que reforça a crítica de tratamento desigual.

Perspectivas fora do eixo ocidental

A Ásia e a África têm oferecido visões críticas que raramente ganham espaço na cobertura ocidental. Em diversos fóruns, analistas indianos, sul-africanos e indonésios apontam que a corte perde legitimidade ao ceder às pressões do Ocidente. O governo sul-africano, por exemplo, contestou a validade prática do mandado contra Putin durante a cúpula do BRICS em 2023, argumentando que o tribunal não deve ser usado como instrumento de “lawfare” geopolítico.

Na China, editoriais de meios estatais como o Global Times denunciam a “hipocrisia ocidental”, ao lembrar que o TPI nunca investigou seriamente intervenções militares dos Estados Unidos no Iraque ou na Líbia. Para esses países, a sobrevivência da corte depende de sua capacidade de agir de forma equânime e independente — o que se torna cada vez mais difícil sob ameaças de sanções e isolamento político.

A percepção pública sobre o TPI também está mudando. Pesquisas de opinião realizadas por centros independentes em países como Indonésia e Egito indicam crescente desconfiança sobre a imparcialidade do tribunal, especialmente quando crimes cometidos por aliados ocidentais não são investigados com o mesmo rigor aplicado a países do Sul Global.

Caminhos possíveis

A sobrevivência institucional do TPI dependerá de sua capacidade de demonstrar independência real. Isso implica tomar decisões que contrariem potências influentes, mesmo sob risco de represálias. Também exige a construção de uma rede de apoio internacional que vá além do eixo EUA-União Europeia, incluindo países do Sul Global dispostos a reforçar sua legitimidade.

A crise atual é uma oportunidade para o TPI mostrar que pode ser, de fato, uma corte internacional — e não apenas uma corte ocidental. Mas, para isso, será preciso resistir à chantagem, enfrentar as ameaças e, sobretudo, agir com a coragem que o momento exige.

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