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Rearmamento europeu ou reorientação estratégica?

Artigo elaborado por Kaique Pita Ferreira e Laura Roza Silveira Batista

Tradicionalmente, a segurança europeia foi estruturada sob amparo da Organização do Tratado do Atlântico Norte, criada em 1949, com os Estados Unidos exercendo papel central na garantia da proteção do continente. Porém, diante da guerra na Ucrânia, ficou evidente não apenas a força da Aliança Atlântica, mas também suas limitações com o novo mandato de Donald Trump nos Estados Unidos. A resposta inicial da OTAN à invasão russa foi intensa: mobilizou tropas em países da fronteira leste e ampliou o apoio militar à Ucrânia. Ainda assim, ficou claro que a dependência da Europa em relação ao poder militar norte-americano gera um desequilíbrio estrutural, o qual fragiliza a capacidade de resposta autônoma do bloco europeu.

Tal constatação reacendeu o debate em torno da necessidade de uma maior autonomia estratégica por parte da União Europeia com a volta de Trump ao poder. O atual presidente americano evidenciou em seu discurso de posse que deseja reconquistar a soberania, segurança e justiça do país (BBC, 2025), evidenciou que essa dependência europeia deve ser questionada, uma vez que não é prioridade do governo americano.

Portanto, até que ponto a Europa pode — ou deve — continuar dependendo da proteção militar dos Estados Unidos?

Nesse contexto, o cenário eleitoral nos EUA atua como um catalisador para uma reavaliação estratégica dentro da União Europeia. Líderes como o presidente francês Emmanuel Macron e o ex-chanceler alemão Olaf Scholz, já haviam destacado a importância de consolidar a “soberania europeia em matéria de defesa”. O objetivo não é abandonar a OTAN, mas sim construir uma capacidade de dissuasão e resposta que seja verdadeiramente europeia — e que não esteja sujeita às oscilações políticas de Washington.

Em 2017, a União Europeia investiu aproximadamente 40% do que os Estados Unidos investiram em defesa, mas gerou apenas 15% das capacidades produzidas pelos EUA, revelando um sério problema de eficiência (Parlamento Europeu, 2017). Já em 2024, os investimentos combinados em defesa dos países da UE ultrapassaram €360 bilhões, marcando um novo recorde histórico.

Paralelamente, a chamada Bússola Estratégica 2030 (Conselho da União Europeia, 2025) tornou-se um marco importante na tentativa da União Europeia de consolidar sua identidade geopolítica. Este documento, aprovado em 2022 e atualizado em 2024, delineia os objetivos estratégicos da União em matéria de segurança e defesa, incluindo a criação de uma força de resposta rápida com até 5 mil soldados, a facilitação da mobilidade militar dentro do bloco e o fortalecimento da resiliência europeia diante de ameaças híbridas, cibernéticas e convencionais.

Projetos de cooperação, como o desenvolvimento de sistemas de defesa integrados e o fortalecimento de infraestruturas críticas, simbolizam avanços significativos na capacidade coletiva do bloco. Em 2025, devido a percepção de insegurança no Leste Europeu, a pressão interna tem se intensificado para que os governos nacionais ampliem sua prontidão militar. Em resposta, a União Europeia tem elevado seus esforços para fortalecer a base industrial de defesa, promovendo projetos conjuntos e aprimorando mecanismos de coordenação entre os Estados-membros. Iniciativas como a Cooperação Estruturada Permanente (PESCO) e a ampliação do papel do Fundo Europeu de Defesa (EDF) refletem ações concretas na criação de uma infraestrutura militar própria, integrada e eficiente, capaz de responder a ameaças externas com maior autonomia, com os países europeus demonstrando uma crescente união para enfrentar os desafios da insegurança e da dependência militar.

No entanto, o fortalecimento da autonomia estratégica europeia não é um objetivo fácil de alcançar. As diferenças entre os países membros da União Europeia em termos de capacidades militares, prioridades nacionais e visões estratégicas continuam a ser um desafio significativo. Enquanto França e Alemanha defendem uma maior integração no setor de defesa, outros países, especialmente aqueles da Europa Oriental, mantêm uma postura mais cautelosa, preferindo fortalecer laços com os Estados Unidos por considerarem a OTAN um pilar indispensável de sua segurança frente à ameaça russa.

Ademais, a dependência da Europa de tecnologias militares externas, especialmente dos Estados Unidos, limita a capacidade do bloco de desenvolver uma base industrial de defesa totalmente autônoma. Embora iniciativas como o Fundo Europeu de Defesa incentivem a inovação e a produção conjunta de armamentos, ainda há um longo caminho para que a União Europeia alcance um nível de independência comparável ao dos EUA ou da China.

O cenário internacional também impõe desafios adicionais à concretização desse projeto europeu. A ascensão da China e Índia, somada a conflitos no Oriente Médio e Norte da África, pressiona a Europa a enfrentar múltiplas ameaças. Além do rearmamento, é essencial investir em diplomacia, cooperação internacional e defesa contra ameaças híbridas, como ataques cibernéticos e desinformação..

Em suma, a busca pela autonomia estratégica europeia representa uma resposta direta às transformações no cenário internacional, especialmente à guerra na Ucrânia e à imprevisibilidade política representada pelo retorno de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos. A análise evidenciou que, embora a OTAN continue sendo um pilar essencial da segurança do continente, a dependência militar em relação aos EUA tem gerado desequilíbrios estruturais que fragilizam a capacidade de resposta autônoma da União Europeia. As iniciativas como a Bússola Estratégica, a PESCO e o Fundo Europeu de Defesa demonstram avanços concretos na construção de uma infraestrutura militar própria e na promoção de maior cooperação entre os Estados-membros. No entanto, persistem desafios significativos, como as divergências internas no bloco, a dependência tecnológica externa e as pressões geopolíticas globais. Assim, a consolidação de uma defesa europeia autônoma exige não apenas investimentos contínuos, mas também coordenação estratégica e superação das barreiras que ainda limitam a plena soberania do bloco em matéria de segurança e defesa.

REFERÊNCIAS:

BBC NEWS BRASIL. Artigo em português. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cj671j4g42lo. Acesso em: 15 abr. 2025.

BBC NEWS BRASIL. Donald Trump toma posse com discurso de “devolver grandeza aos EUA”. 2025. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cy0pxx3el1jo. Acesso em: 15 abr. 2025.

BORRELL, Josep. European Defence and the Changing Global Order. EEAS Reports, 2025. Disponível em: https://eeas.europa.eu. Acesso em: 15 abr. 2025.

CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. Bússola Estratégica para a Segurança e a Defesa. Disponível em: https://www.consilium.europa.eu/pt/policies/strategic-compass/. Acesso em: 15 abr. 2025.

EMIS. União Europeia. Disponível em: https://www.emis.com/v2/documents/878685381/?keyword=Uni%C3%A3o%20Europeia&display_lang=pt. Acesso em: 15 abr. 2025.

EUROPEAN DEFENCE AGENCY (EDA). European Defence Agency. Disponível em: https://eda.europa.eu/. Acesso em: 15 abr. 2025.

EUROPEAN UNION. A Strategic Compass for Security and Defence – For a European Union that protects its citizens, values and interests and contributes to international peace and security. Council of the European Union, 2022. Disponível em: https://www.consilium.europa.eu/media/. Acesso em: 15 abr. 2025.

GLOBAL FIREPOWER. Countries listing. Disponível em: https://www.globalfirepower.com/countries-listing.php. Acesso em: 15 abr. 2025.

MORAVCSIK, Andrew. Trump Redux: Strategic Autonomy and Transatlantic Risk. Foreign Affairs, 2024. Disponível em: https://www.foreignaffairs.com. Acesso em: 15 abr. 2025.

NATO. NATO Annual Report 2024. Brussels: NATO Publications, 2025. Disponível em: https://www.nato.int. Acesso em: 15 abr. 2025.

PARLAMENTO EUROPEU. Cooperação Estruturada Permanente: tornar a defesa europeia mais eficiente. Parlamento Europeu, 8 dez. 2017. Disponível em: https://www.europarl.europa.eu/topics/pt/article/20171208STO89939/cooperacao-estruturada-permanente-tornar-a-defesa-europeia-mais-eficiente. Acesso em: 15 abr. 2025.

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