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Multipolaridade: o que é e por que ela muda o sistema internacional

Desde o fim da Guerra Fria, o mundo tem sido amplamente descrito como unipolar, com os Estados Unidos no centro da política, economia e segurança globais. Mas esse cenário está mudando. A emergência de novas potências, o enfraquecimento das instituições multilaterais e o avanço de projetos regionais autônomos configuram uma transição em curso: o mundo caminha para uma ordem multipolar. Esse conceito, frequentemente citado, é mais do que uma descrição técnica — ele traduz uma disputa por poder, influência e modelos alternativos de organização global.

Multipolaridade significa, essencialmente, um sistema internacional em que várias potências têm peso equivalente ou competitivo, sem que uma delas consiga impor sua vontade sobre as demais. Isso não significa ausência de hierarquias, mas sim a dispersão do poder em diversos polos — econômicos, militares, tecnológicos, diplomáticos e culturais.

Hoje, os polos em ascensão são evidentes: a China se consolida como rival global dos EUA; a Rússia, mesmo sob sanções, mantém influência em segurança e energia; a União Europeia busca autonomia estratégica; a Índia se projeta como liderança do Sul Global; e países como Turquia, Brasil, Irã e África do Sul desenvolvem políticas externas mais autônomas. Juntos, esses atores desafiam a centralidade dos fóruns ocidentais tradicionais, como o G7, a OTAN e a hegemonia do dólar.

Um exemplo concreto da multipolaridade emergente é o BRICS. Criado nos anos 2000, esse grupo reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e recentemente anunciou a entrada de novos países como Egito, Irã, Etiópia e Emirados Árabes Unidos. O bloco promove a ideia de reforma das instituições financeiras internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, e aposta na desdolarização do comércio internacional, com acordos bilaterais em moedas locais.

Outro exemplo está no Indo-Pacífico, onde a Índia resiste à influência da China ao mesmo tempo em que coopera com ela em fóruns multilaterais. Tóquio e Seul, aliados dos EUA, também buscam maior margem de manobra. O mesmo ocorre no Oriente Médio, onde Arábia Saudita, Irã, Turquia e Israel disputam poder regional sem depender exclusivamente de Washington.

Essa transição para a multipolaridade também se expressa na crítica às normas estabelecidas após 1945. Muitos países questionam a legitimidade do Conselho de Segurança da ONU, dominado por cinco potências nucleares. Outros criticam os critérios de ingresso na OCDE, as regras da OMC e os mecanismos de arbitragem internacionais, acusados de favorecer os interesses das nações ricas.

A multipolaridade tem impactos ambíguos. Por um lado, pode democratizar o sistema internacional, dando voz a países historicamente marginalizados. Por outro, pode gerar maior instabilidade, com aumento das disputas regionais e menor capacidade de articulação global em temas como meio ambiente, saúde e segurança. Sem um centro coordenador, há risco de paralisia nas decisões multilaterais.

A grande questão é se essa nova ordem será apenas competitiva ou se poderá gerar formas inovadoras de cooperação entre polos diversos. A coexistência de modelos distintos — liberal, autoritário, híbrido — desafia a universalidade de valores e regras globais. O mundo multipolar não será, necessariamente, mais justo ou pacífico. Mas ele é, cada vez mais, um dado da realidade.

Para países como o Brasil, a multipolaridade oferece riscos e oportunidades. Requer autonomia diplomática, clareza estratégica e capacidade de se posicionar de forma flexível, sem subordinação automática a blocos. Num mundo com muitos centros, saber navegar entre eles será a chave para manter relevância e soberania.