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A interdependência econômica como pilar da estabilidade e paz internacionais

A interdependência econômica global emergiu como um dos principais pilares da estabilidade internacional nas últimas décadas. Este fenômeno, caracterizado pelo intenso fluxo de bens, serviços, capitais e informações entre países, tem sido amplamente reconhecido por promover a paz ao criar incentivos para a cooperação e reduzir os riscos de conflitos armados. A interdependência econômica, no entanto, enfrenta desafios significativos no cenário contemporâneo, levantando preocupações sobre a sua sustentabilidade e os possíveis impactos na paz mundial.

Historicamente, a interdependência econômica se intensificou após a Segunda Guerra Mundial, com a criação de instituições internacionais como a ONU, o FMI e o Banco Mundial, que promoveram a cooperação econômica e a liberalização do comércio. O colapso do bloco soviético e a ascensão da China como uma potência econômica global no final do século XX aceleraram esse processo. Nações de todo o mundo passaram a se beneficiar da especialização e das vantagens comparativas, aumentando a prosperidade global e fortalecendo laços que dissuadiram conflitos.

A Ásia, especialmente China e Japão, desempenhou um papel crucial na promoção dessa interdependência. A China, com sua política de “Reforma e Abertura” iniciada em 1978, tornou-se um epicentro da manufatura global, fornecendo produtos a preços competitivos e atraindo investimentos estrangeiros em larga escala. Japão, com sua tecnologia avançada e forte economia de exportação, também se beneficiou e contribuiu significativamente para a rede de comércio global. Na Índia, as reformas econômicas dos anos 1990 abriram o mercado para o investimento estrangeiro, promovendo uma robusta indústria de TI e serviços que se integraram profundamente ao mercado global.

O Brasil, como principal economia da América Latina, também se inseriu fortemente na economia global. Suas exportações de commodities, como soja e minério de ferro, para a China, e a participação em blocos econômicos como o Mercosul, exemplificam essa interdependência. A África do Sul, através da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e sua economia diversificada, fortaleceu seus laços comerciais e de investimento, particularmente com a China e outros países BRICS.

No entanto, a crescente interdependência econômica enfrenta uma série de desafios que ameaçam sua continuidade. As guerras comerciais, especialmente entre os Estados Unidos e a China, o aumento do protecionismo e o impacto da pandemia de COVID-19 ressaltaram a vulnerabilidade das cadeias de suprimento globais. A tendência crescente de alguns países em buscar uma autossuficiência econômica, chamada de “desglobalização”, é uma reação a essas vulnerabilidades.

Fontes de notícias recentes apontam que a China, por exemplo, está se focando em fortalecer seu mercado interno através da estratégia de “dupla circulação” para reduzir a dependência do mercado externo . Da mesma forma, o Japão tem incentivado a relocalização de suas empresas para dentro do país ou para outros países do Sudeste Asiático para mitigar riscos . A Índia, com suas políticas de “Make in India”, visa reduzir a dependência de importações, especialmente da China . O Brasil também tem explorado uma maior diversificação de seus parceiros comerciais e a valorização de sua indústria doméstica para aumentar a resiliência econômica .

Essa tendência de desglobalização pode gerar significativos riscos à estabilidade e à paz internacional. A interdependência econômica tem funcionado como um dissuasor de conflitos ao criar redes complexas de interesse mútuo que tornam a guerra economicamente desastrosa. A redução dessas interconexões pode aumentar a probabilidade de disputas e conflitos, à medida que os países se tornam mais autossuficientes e menos preocupados com as repercussões econômicas de suas ações no cenário internacional.

Em conclusão, a interdependência econômica tem sido fundamental para a estabilidade e a paz internacionais nas últimas décadas. No entanto, o atual movimento em direção à desglobalização representa um potencial risco para essa estabilidade. É crucial que os formuladores de políticas equilibrem a necessidade de resiliência econômica com a manutenção dos benefícios da interdependência global, para evitar que o mundo retroceda a um estado de rivalidades e conflitos exacerbados pela desintegração econômica. A cooperação internacional e a construção de novas formas de integração econômica são essenciais para garantir um futuro pacífico e próspero.

Rodrigo Cintra
Pós-Doutor em Competitividade Territorial e Indústrias Criativas, pelo Dinâmia – Centro de Estudos da Mudança Socioeconómica, do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa (ISCTE, Lisboa, Portugal). Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2007). É Diretor Executivo do Mapa Mundi. ORCID https://orcid.org/0000-0003-1484-395X

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