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O impasse na Cimeira de Paz na Suíça: divergências do Sul Global e o conflito na Ucrânia

A recente cimeira de paz sobre a Ucrânia, realizada na Suíça, destacou as complexas dinâmicas geopolíticas e as divergências de interesses que marcam o cenário internacional, particularmente quando se considera o posicionamento dos países do Sul Global. O fracasso dessa cimeira em alcançar um consenso reflete não apenas as dificuldades em encontrar uma solução para o conflito, mas também a multiplicidade de interesses que esses países têm em jogo, o que vai além da simples cooperação com a Ucrânia e se estende a um ordenamento internacional mais amplo.

A cimeira reuniu representantes de diversas nações, incluindo potências emergentes como China, Brasil, Índia e Arábia Saudita. Esses países, embora unidos sob a bandeira do Sul Global, não compartilham necessariamente a mesma visão sobre o conflito na Ucrânia ou sobre as soluções para resolvê-lo. Cada um tem suas próprias prioridades e interesses, que são moldados por considerações econômicas, estratégicas e políticas.

A China, por exemplo, adota uma posição cautelosa e equilibrada, buscando manter boas relações com a Rússia, sua aliada estratégica, enquanto se apresenta como uma defensora da paz e da estabilidade internacional. Durante a cimeira, a China evitou apoiar qualquer resolução que pudesse ser vista como uma condenação direta da Rússia, preferindo enfatizar a importância do diálogo e do respeito à soberania dos Estados. Esse posicionamento reflete a estratégia mais ampla da China de promover uma ordem multipolar, onde sua influência pode crescer sem confrontar diretamente as grandes potências ocidentais.

O Brasil, por sua vez, busca um papel de mediador internacional, coerente com sua tradição diplomática de neutralidade e resolução pacífica de conflitos. No entanto, o Brasil também enfrenta desafios internos e regionais que influenciam sua postura. Durante a cimeira, o governo brasileiro enfatizou a necessidade de um cessar-fogo imediato e de negociações inclusivas, mas sem se alinhar explicitamente a nenhuma das partes envolvidas no conflito. Essa posição reflete o desejo do Brasil de ser visto como um ator global responsável, capaz de dialogar com todas as partes, mas também revela a sua cautela em não se indispor com grandes potências como os Estados Unidos e a União Europeia, que têm sido firmes em seu apoio à Ucrânia.

A Índia, por outro lado, tem uma relação complexa com a Rússia, que remonta aos tempos da Guerra Fria. A dependência indiana de armas russas e a cooperação em diversos setores estratégicos fazem com que a Índia adote uma postura mais neutra em relação ao conflito na Ucrânia. Durante a cimeira, a Índia destacou a importância de um processo de paz liderado pelas Nações Unidas e sublinhou a necessidade de considerar as preocupações de segurança de todas as partes envolvidas. Essa posição reflete a ambição da Índia de ser um líder no Sul Global, sem comprometer suas relações estratégicas com Moscou.

A Arábia Saudita, por sua vez, possui interesses que vão além do conflito em si. O reino saudita está profundamente envolvido em dinâmicas regionais e globais que influenciam sua postura. Na cimeira, a Arábia Saudita focou em soluções que promovam a estabilidade, uma prioridade para um país que enfrenta desafios internos e regionais, incluindo o conflito no Iêmen e as tensões com o Irã. Além disso, a Arábia Saudita está interessada em manter boas relações com todas as grandes potências, o que a leva a adotar uma posição moderada em relação ao conflito na Ucrânia.

O envolvimento dos países do Sul Global na cimeira de paz sobre a Ucrânia não deve ser visto apenas como uma tentativa de mediar o conflito entre Ucrânia e Rússia, mas como parte de um esforço mais amplo para redefinir seu papel na ordem internacional. Esses países, que representam uma parte significativa da população e da economia global, estão cada vez mais assertivos em defender seus interesses e em buscar uma maior influência nas decisões globais. No entanto, suas diferentes prioridades e desafios internos dificultam a formação de uma posição unificada, o que contribuiu para o fracasso da cimeira em alcançar resultados concretos.

O fracasso da cimeira de paz na Suíça destaca as dificuldades em alinhar os interesses divergentes dos países do Sul Global em relação ao conflito na Ucrânia. China, Brasil, Índia e Arábia Saudita, cada um com suas próprias prioridades e alianças, refletem a complexidade de se alcançar um consenso em um cenário internacional marcado por profundas divisões geopolíticas. A cimeira revelou que, enquanto esses países buscam maior influência global, suas diferenças internas e a necessidade de equilibrar relações com as grandes potências continuarão a desafiar seus esforços para moldar um novo ordenamento internacional.

Rodrigo Cintra
Pós-Doutor em Competitividade Territorial e Indústrias Criativas, pelo Dinâmia – Centro de Estudos da Mudança Socioeconómica, do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa (ISCTE, Lisboa, Portugal). Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2007). É Diretor Executivo do Mapa Mundi. ORCID https://orcid.org/0000-0003-1484-395X

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